a bruxa e o medo na cultura pop
- Italo Aleixo
- 25 de out. de 2023
- 4 min de leitura

Certa vez, um amigo evangélico comentou sobre uma possessão demoníaca que teria presenciado, onde havia visto uma pessoa de olhos revirados andando pelo teto do recinto! Independente de suas crenças, façamos um teste, pense você numa possessão diabólica e em como ela seria? Provavelmente todos os leitores chegarão nos mesmos elementos: faces distorcidas, olhos modificados, pescoços revirados, voz gutural, reflexos indesejados no espelho e claro, pessoas rastejando pelas paredes!
Nós temos no nosso imaginário, um modelo ideal de como seria tal evento, uma representação herdada da sétima arte. Isso mostra como os clichês do cinema moldaram a visão do sobrenatural que temos hoje, elementos usados exaustivamente ao ponto que é praticamente impossível para qualquer filme de terror evitá-los. Anterior ao cinema e à popularização da televisão, nossa visão do sobrenatural era menos engessada e mais incerta — o realismo fantástico sul-americano trabalha bem com essa característica — cabiam aos causos a disseminação desses padrões pelo imaginário popular, mas nas últimas décadas a cinematografia ditou regras e mudou nossa visão em relação ao sobrenatural. Hoje, não é incomum encontrar pessoas que se dizem céticas, com medo de ir na despensa sozinhos a noite após assistir um filme de terror!
Ou seja, mesmo acreditando no sobrenatural, as pessoas tem noção da realidade e do que é ou não permitido pela física, contudo, têm gravado no subconsciente esses "clichês hollywoodianos" como elementos ameaçadores, fatos que pervertem a realidade. Essa "nova" noção do sobrenatural é tão difundida — embora veja, que o fato do diabo ser um assunto tão recorrente, diz respeito ao público ocidental que é majoritariamente cristão, o horror oriental por exemplo se utiliza de outros clichês — que acaba se tornando uma premissa dentro dos próprios filmes, onde as personagens nas telas tem essa mesma noção do sobrenatural, ao ponto que quando se deparam com um desses clichês, a reação imediata do personagem é entrar em pânico e se desesperar!
Alguns anos atrás, considerado inovador e bastante perturbador, o filme A Bruxa ganhou a admiração dos críticos, mas o que mais chamava a atenção era a reação do público: alguns o colocavam como o "filme mais aterrador de todos os tempos", mas muitas pessoas deixavam as salas de cinema realmente entediadas. O que chama a atenção na obra a primeira vista é a ausência dos jumpscares, aquela prática chatinha de GRITAR e jogar algo na sua cara quando você menos espera, estratégia suprema do cinema para elevar a adrenalina e potencializar a sensação de medo — menção honrosa para Hereditário, que utiliza-se de todos os clichês possíveis para criar cenas aterradoras, sem precisar apelar para os jumpscares. Em A Bruxa é tudo muito soturno, lento, calmo, uma calmaria arrepiante na verdade e os jumpscares estão ausentes não só por uma opção de direção, mas também pela a visão de mundo dos personagens: banida da segurança do vilarejo, a família precisa se estabelecer à mercê de um mal que eles sabem que existe encaram esse destino com um tipo de aceitação. Embora tenham consciência do mal eles desconhecem suas manifestações, os personagens modernos, ao contrário, encaram o mal como algo que não deveria estar ali, mas tem consciência do que esperar dele.
Aqui vou simplesmente deixar de lado as várias interpretações que o filme tem e confesso que tenho um certo desdém pela necessidade do público ocidental de querer explicar toda e qualquer obra lançada, então vou discutir que o filme seja aquilo que ele se propôs: uma história sobre bruxas! O que mais me encanta em A Bruxa em comparação com outros filmes de terror é justamente essa noção do sobrenatural dos personagens e suas reações perante ele. Pegue como exemplo qualquer filme de exorcismo que lhe venha a mente: os personagens ao se deparam com esses clichês, têm a certeza de estarem diante de algo maligno e quanto mais for a ruptura com a realidade, maior é a magnitude desse mal, por isso sempre reagem com desespero e pavor, numa ação extremada de luta e fuga. Por outro lado, os personagens de A Bruxa sabem que o mal paira por ali e pode se manifestar a qualquer momento, mas nunca sabem o que esperar, da mesma maneira que não devem conhecer a maioria dos fenômenos naturais, vivem numa realidade tipicamente supersticiosa e por isso reagem sempre com surpresa ou resignação ao encararem esses eventos. De um lado às certezas de um mundo racional ameaçado por falhas na matrix, do outro às imprecisões de um mundo maleável, onde os fenômenos da natureza ou paranormais não foram bem esclarecidos.
Não é nenhuma novidade que as artes influenciem nossas noções metafísicas. Todas as imagens que temos do Diabo, por exemplo, nunca foram descritas na Bíblia, mesmo assim, séculos de desenvolvimento artístico, acumularam figuras que se impregnaram no nosso imaginário. O cinema potencializou isso, dando vida as imagens e compartilhando-as entre milhares de pessoas. A noção do medo, não se concentra apenas em filmes sobre o diabo: diversos Slashers (filmes de serial killers) mudaram nossa percepção de lugares abandonados e nossa relação com pessoas estranhas e o filme Tubarão (1975) gerou uma histeria tão grande, que desde que foi lançado, as populações de tubarões e arraias foram caçadas a tal ponto que tiveram suas populações reduzidas em mais de 70% numa escala global; há discussões filosóficas até sobre como o cinema moldou nossa maneira de sonhar!
Enfim, acho que que me perdi em devaneios, mas só me atrevi a escrever esse texto para refletir, como a obra de Robert Eggers retrata de maneira interessante, o embate com o sobrenatural de uma típica família do século XVII e como isso é contrastante com o contemporâneo, principalmente após o surgimento do cinema!
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