top of page

Porque eu Escrevo e Valorizo Tanto os meus Hobbies?

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 28 de mai.
  • 4 min de leitura

"Posso apresentar todos os tipos de justificações morais pretensiosas para essa abordagem (e realmente acredito em todas), mas o motivo básico é simples e pessoal. Escrevo estes ensaios sobretudo para auxiliar meu propósito de aprender e compreender o mais possível sobre a natureza no pouco tempo que me cabe." — Stephen Jay Gould, O Sorriso do Flamingo


Minha relação com os livros e a escrita começou cedo — embora eu não seja um praticante assíduo dessa última. Quando pequeno, meu avô me levava na biblioteca para pegar livros — sobre "animais" ou de conhecimentos gerais — e eu sentia a necessidade de compilar aquela informação de alguma forma. Normalmente eram listas que iam dos mais variados assuntos que eu encontrava nos livros: lista das pedras mais preciosas, dos animais mais fortes ou mais rápidos, dos transportes de guerra mais "poderosos" e assim por diante.


O tempo passou, eu cresci e aqueles interesses esmaeceram, mas não ficaram de todo esquecidos na infância. Durante a adolescência criei alguns blogs e participei de fóruns, ora escrevendo poemas, reclamando sobre a vida ou fazendo resenhas de filmes e livros. Mas era tudo muito efêmero, naquela época o prazer puro e simples da infância não se manifestava mais. Eu sentia a necessidade de algum tipo de justificativa para aquilo: Por que estou escrevendo? Para quem? O que eu ganho com isso? Creio que esse tipo de indagação é muito comum na adolescência. Hoje sobra pouco espaço para a escrita entre os meus hobbies — a leitura, a fotografia, passarinhar, o violão... — mas ela fica por ali, buscando um cantinho.


A Importância dos hobbies


Aqui é preciso estabelecer uma pré-definição, meio "ecológica", do que eu considero um hobby: uma atividade voluntária e prazerosa, realizada de maneira mais ativa do que passiva, mediante o gasto de energia. Ou seja, aqui diferimos um cinéfilo — que toma o cinema por hobby — de alguém deitado no sofá maratonando vários filmes na Netflix. Aquele que pratica um hobby consome energia extra, além da atividade em si: o cinéfilo e o bibliófilo gastam energia pesquisando sobre um determinado filme ou livro — gosto de pensar que a leitura de um livro começa na pesquisa prévia sobre ele, uma ideia que se desdobra no conceito da anti-biblioteca — ou discorrendo sobre aquilo posteriormente, seja escrevendo uma resenha, uma crítica, ou produzindo algum conteúdo relacionado.


Retorno então àquele incômodo fundamental: para que gastar energia realizando uma atividade que não irá trazer nenhum benefício imediato? Na adolescência foram bem mais comuns essas inquietações existenciais, a busca por um sentido ou a validação de alguma atividade, mas com o passar do tempo elas foram se diluindo. Deixando de lado os benefícios óbvios para a saúde, validado por psicólogos e neurocientistas, prefiro uma abordagem mais filosófica para a justificativa.


Cético por natureza, eu não acredito na existência de uma alma mágica ou de entidades metafísicas. Alinhado ao materialismo, eu vejo a consciência (alma) não como algo substancializado, mas como uma ilusão, uma projeção virtual composta de inputs e outputs de nossas experiências, armazenados na memória. Dessa forma, o que chamamos de alma é construído ao longo da vida, dia após dia e pode ser moldado tanto com boas lembranças como com traumas horríveis. A busca pela felicidade e pela "paz interior", não é nada mais do que colocar tijolos de qualidade nessa construção, mas infelizmente não temos controle sobre nossas experiências!


É aí que os hobbies se fazem tão importantes, pois são uma maneira de, não apenas ocupar nossa experiência com algo prazeroso — lembre-se que algo prazeroso não é necessariamente algo bom —, mas também de se concentrar nessa atividade e reforçá-la na memória. Por isso, não é apenas fazer algo por fazer, mas investir energia numa atividade, mergulhar nela, pesquisar e se aprimorar naquilo, pois, no fundo, a alma é o somatório das lembranças de todas as nossas experiências, e a forma mais eficaz de expandir essa experiência é praticando ativamente essas atividades que estimulem sua construção.


E porque eu escrevo?


Nossa memória lida com muitos estímulos e por isso é natural que uma parte dessa informação se perca e escrever é uma maneira de consolidar a memória. Nietzsche era um que não confiava na própria memória, e registrava o que tinha feito ao longo do dia — deve ser por isso que muitas pessoas mantêm um diário. É bem conhecida a importância de fazer anotações para o aprendizado, por isso, fazer um registro escrito das coisas, como manter notas sobre os livros lidos ou filmes assistidos, é uma maneira de ajudar a organizar a memória. Mas mais do que isso, escrever é uma maneira de organizar o conhecimento.


Como dito na citação no início desse texto, Stephen Jay Gould escrevia muito mais para si mesmo do que para os outros. Eu sinto que no fundo, todos que gostam de escrever o fazem para si mesmos, por dois motivos: o primeiro é a necessidade de organizar o conhecimento, colocar numa folha de papel aquilo que se sabe, destrinchá-lo em pedaços menores e então reorganizá-lo, buscando as lacunas e as falhas daquele conhecimento. É expor aquela rede de informações sob o próprio olhar e discutir consigo mesmo o que está sendo colocado no papel.


Aí entra o segundo motivo: a escrita é um meio de dialogar com você mesmo. Nós somos animais sociais e dependemos da interação com os outros, mas antes de mais nada precisamos de uma interação com nós mesmos. Ao contrário do que se acreditava no passado, que a alma fosse algo indivisível, hoje a enxergamos a consciência como algo multifacetado. Nós não somos um só, somos pelo menos alguns e por isso é importante manter contato com nossos outros vizinhos internos.


Eu gosto da ideia de sistematizar a informação que eu consumo. As listas das minha infância, hoje, se transformam nesse fluxo de pensamentos. Gosto de escrever sobre aquilo que me interessa, tanto para tentar entender melhor aquele assunto, quanto para descobrir o porquê do meu interesse. Nessa busca para aprender mais sobre a realidade e a natureza da consciência, misturo biologia (minha área de estudo), literatura, história e filosofia, e a escrita é a válvula de escape. No fundo é tudo literatice, meras literatices!

Comments


© 2023 por Meras Literatices. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Branca Ícone Instagram
bottom of page