A Falsa medida do homem
- Italo Aleixo
- 14 de set. de 2023
- 3 min de leitura

As vezes nos esquecemos que a ciência antes de mais nada, é apenas um modo de organizar o pensamento humano. O "pensamento humano" (explicação de fenômenos; tabus; regras; leis; hierarquia; sistemas governamentais) é debatido e alterado desde os primórdios da espécie e sempre teve como base centenas de fundamentos, religiões e filosofias diversas. O que chamamos de ciência é um entre esses vários fundamentos, mas que propõe a coleta de dados empíricos de maneira sistemática, para que possamos atestar a existência de um fenômeno e determinar suas causas e efeitos.
Dentre as várias revoluções que a ciência passou, a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, figura entre uma das mais radicais e revolucionárias. O lançamento de A Origem das Espécies no século XIX abalou não só as bases do mundo científico, lançando o alicerce onde as ciências naturais se fundamentariam dali em diante, como causou tumulto também nas ciências sociais. A ideia de que o homem nada mais é que um ramo da grande árvore da vida, um animal como qualquer outro forjado pela evolução, solapou séculos de crença antropocêntrica, gerando debates calorosos dentro das esferas seculares e religiosas.
O debate filosófico sempre permeou o meio científico, uma infindável tentativa de determinar a maneira correta de aplicar esses fundamentos e o mal uso da ciência, seja coletando e analisando dados de maneira errada ou de má fé, cria os mesmos problemas que linhas de pensamento baseadas em dogmas e entes invisíveis. Com o Darwinismo não foi diferente, ao partir da ideia de que as raças humanas também seriam selecionadas por aptidão, diversos cientistas se lançaram na tarefa de provar algo que há muito instigava o soberbo pensamento ocidental: alguns grupos humanos são mais evoluídos que outros! Essa tentativa de provar de maneira empírica, que certos grupos de humanos são superiores, criaram um novo "campo científico", que se desenvolveu primeiro com base na morfologia, onde se propunha a estudar e comparar o tamanho dos cérebros e posteriormente na psicologia com "a medida da inteligência" através dos testes de QI.
O que vemos de fato, é toda uma barafunda de metodologias desordenadas, dados falsificados, falácias narrativas e o pior de tudo: cientistas brilhantes, análises "robustas" e resultados significativos, convencidos de que certos humanos são superiores aos outros. Stephen Jay Gould foca em pesquisas outrora influentes e esmiúça problemas que vão desde dados coletados com intuito de forçar conclusões tomadas a priori até análises estatísticas inapropriadas (muitas vezes intencionalmente!). Parte fundamental da ciência é determinar corretamente causas e efeitos, e quando isso é posto de lado para defender ideologias, ou construir carreira, temos uma ferramenta nociva. A ciência executada sem o rigor do ceticismo, nada mais é do que um dogma!
Politicas eugenistas estão presentes desde os primórdios, mas tiveram um impulso intelectual no fim do século XIX, quando milhares de pessoas foram privadas de um futuro melhor por serem consideradas inaptas e quando as leis de imigração ficaram muito mais rígidas, baseadas apenas em "simetria facial" ou testes de QI. Atualmente sabemos que não existe nenhuma base científica que sustenta a aptidão superior de alguma raça humana, apesar da Seleção Natural atuar sobre qualquer ser vivo, a "seleção cultural" é muito mais rápida em selecionar e modificar grupos humanos.
Hoje essas teorias são consideradas obsoletas, mas tal ideologia infelizmente ainda vive. Nossa espécie é bastante hábil em justificar seus preconceitos, por isso devemos tomar muito cuidado, pois a ciência, nosso maior motor de desenvolvimento, quando usada da maneira incorreta, pode causar danos irreversíveis!
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