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as vinhas da ira

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 6 de nov. de 2023
  • 5 min de leitura

"de que maneira um homem que nada possui, pode compreender as preocupações dos que possuem alguma coisa?"

Um manifesto por uma justa divisão dos bens, pela posse da terra e pela igualdade social! As Vinhas da Ira é um monumento literário, abalou o meio quando foi lançado, faturou o Pulitzer e foi um dos fatores preponderantes para John Steinbeck faturar o Nobel. A obra repercutiu nacionalmente e dividiu opiniões, foi rejeitada, proibida, queimada e aclamada pelos leitores. Hoje figura nas principais listas de livros mais importantes do século e é um livro de referência para o momento histórico retratado.


O principal foco da obra do autor são aqueles que foram "traídos" pelo sonho americano, personagens que foram "abandonados" pelo destino e precisam lutar para manter a dignidade que lhes resta. Antes de me aventurar pelas vinhas da ira, eu já tinha lido os formidáveis, Ratos e Homens e O Inverno da Nossa Desesperança, onde Steinbeck consegue tecer uma crítica social, sem criar grandes dramas e nem se utilizar de vilões, o grande objetivo é a luta dos personagens contra o penoso dia a dia, e onde os conflitos são ponderados pelas razões opostas dos envolvidos — Steinbeck é uma máquina de produzir diálogos memoráveis — fazendo um retrato multifacetado da sociedade.


Aqui porém, essa abordagem parece dar lugar para uma narrativa mais agressiva e panfletária, que apela para a empatia — ou a falta dela — do leitor. As Vinhas da Ira são um declarado manifesto, em meio as notas do autor referentes ao livro

estavam:


“Eu quero pôr um letreiro de vergonha nos bastardos gananciosos que são responsáveis por esta Grande Depressão e pelos seus efeitos." (...) “fiz o mais que pude para esfarrapar os nervos do leitor.”

Para entender o livro é preciso entender o momento pelo qual os EUA estava passando. A Grande Depressão de 1929 foi um período de recessão econômica tão intenso, que afetou diversos países no planeta, derrubando o PIB global e sendo até hoje considerada uma das piores crises que o Capitalismo já enfrentou. Uma retração no consumo interno e a queda nas exportações, estagnou a massiva superprodução norte americana. Sem ter para quem vender, os preços das mercadorias despencaram, desencadeando um efeito cascata que culminou, na queda de ações (o crash da Bolsa), em fortunas perdidas e milhares de empresas e bancos falidos. Como uma das estratégias econômicas dos EUA, era liberar créditos para os fazendeiros, a crise obrigou os bancos a cobrarem essas dívidas, resultando num amplo confisco de terras. Além disso, um outro efeito de causas ambientais também estava em ação, o chamado Dust Bowl, um evento de seca severa que assolou as Grandes Planícies Americanas, causado principalmente pela ação dos ventos e potencializado por práticas agrícolas agressivas que suprimiam a vegetação nativa.


A seca severa que assolou certas regiões do país por quase uma década, a tomada das terras por parte dos bancos e o uso do maquinário agrícola, que diminuía a oferta de empregos para uma população que vivia do trabalho braçal, desencadeou uma das maiores crises humanitárias que os EUA já enfrentaram, onde famílias inteiras precisaram deixar o lugar em que viviam em busca de emprego. Essa migração em massa, principalmente em direção ao oeste, desalojou milhares de pessoas que passaram a vagar a deriva procurando serviço, porém a altíssima procura dificultava a obtenção de trabalho além de baixar drasticamente os salários. Os sobreviventes dessa miséria, se espalharam pelas estradas ou se conglomeravam nos subúrbios das cidades, vivendo em Hoovervilles (favelas) e logo o ódio e o preconceito dos cidadãos locais recaiam sobre eles, por quem eram tratados como vagabundos.


É no meio dessa crise ambiental, econômica e humanitária que John Steinbeck nos apresenta aos Joad, uma família que perdeu sua terra e agora precisam reunir os poucos bens que lhes restam num velho caminhão e empreender a jornada ao oeste, para a longínqua Califórnia, onde há promessas de fartura e emprego. A jornada dos Joad é um verdadeiro épico nacional, atravessando estradas e paisagens icônicas eles precisam encarar a miséria e a injustiça, mas mesmo com a família se desmantelando pelo caminho, os Joad ainda mantém a cabeça a erguida na esperança de que uma hora as coisas irão se ajeitar. A travessia é quase uma decida ao inferno, cada vez mais próximos do destino, mais as condições de vida se tornam miseráveis, eles precisam habitar favelas, são perseguidos pelos "nativos", e precisam lutar para manter o sustento mínimo do dia a dia, e é nesse ambiente, que toda a verve de Steinbeck sobre as péssimas condições de trabalho, o preconceito, a exploração dos miseráveis e acima de tudo, a falta de união das pessoas é posta em prática.


Se nos outros livros que li do autor, ele ressalta os problemas sociais através de uma abordagem mais intimista das personagens, aqui é evidente seu objetivo em escancarar um problema específico que os norte-americanos pareciam querer ignorar. Por conta disso, As Vinhas da Ira tem um caráter inevitavelmente maniqueísta, a construção dos personagens principais se dá com a maestria habitual de Steinbeck, mas aqui são dotados de uma virtude santificada, ao contrário dos "vilões", uma vez que o autor opta por distanciamento destes, conferindo um caráter desumano não só ao sistema e à mentalidade capitalista, mas também aos fazendeiros, aos habitantes mais abastados e a polícia. Para John Steinbeck, a obra foi uma tentativa de expor o máximo do problema aos olhos dos cidadãos norte-americanos, fazer uma crítica aos seus principais causadores, um apelo à consciência de classe e à união dos prejudicados, pois essa seria a única maneira de se impor ao sistema — não é de se espantar que a obra causou rebuliço nos setores conservadores da sociedade, uma vez que Steinbeck apelava para a união dos trabalhadores, greves, sindicatos e revoltas.


Esse contraponto entre a população miserável e um sistema desprovido de humanidade, confere a As Vinhas da Ira nuances religiosas: os Joad fazem as vezes de um Jó bíblico, sofrendo sempre de cabeça erguida e esperando a justiça divina, enquanto o próprio discurso revoltoso de Jhon Steinbeck, convocando os trabalhadores a se revoltar contra seus "senhores", remete à vingança de Deus contra os ímpios. Além de diversas citações, o próprio título da obra faz menção à uma música religiosa baseada numa passagem do Apocalipse, The Battle Hymn of the Republic, um hino da Guerra Civil Americana — que possui uma versão bem popular aqui no Brasil.


Por essas e por outras, é inevitável que As Vinhas da Ira tenha esse aspecto maniqueísta, Steinbeck é ciente das nuances do sistema, mas optou por fazer dessa obra um manifesto sobre a desigualdade de classes e esfregar na cara da população sua revolta com o sistema: é impossível não se compadecer de pessoas passando fome e querendo trabalhar, enquanto os donos das terras — aqui sempre entidades invisíveis — queimam as produções simplesmente porque não existe para quem vender.


O mais interessante sobre Steinbeck é que suas obras geralmente não são tristes, o autor não gosta de trabalhar com vilões, nem com a maldade inata do ser humano. Em seus livros, personagens de classes diversas, empreendem confabulações memoráveis, gerando diálogos que enriquecem sua obra. Mas As Vinhas da Ira clamavam por uma abordagem diferente, era preciso narrar o drama dos migrantes escancarando o cerne do problema e é uma família, composta pelos principais arquétipos dos afetados pela Grande Depressão, o símbolo escolhido para a mensagem que Steinbeck decide passar!

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