Solaris
- Italo Aleixo
- 12 de abr.
- 3 min de leitura

Histórias de ficção científica são tão populares porque transcendem o gênero da simples aventura. Embora busquemos o fascínio aventureiro típico de Júlio Verne, é na projeção da condição humana sobre os mais improváveis cenários, que se concentra o nosso nosso interesse no scifi. O gênero se utiliza do fantástico para perscrutar o nosso papel na natureza, mesclando ciência e conjecturas para divagar sobre nosso passado ou simular futuros hipotéticos.
É por isso que tantos clássicos scifi são atemporais. Dentre essas obras, é impossível não citar Solaris, de Stanislaw Lew, publicado em 1961 e até hoje um dos mais comentados livros do gênero. A obra ainda rendeu duas adaptações cinematográficas bem sucedidas. A escrita, tida por alguns, como arrastada ou descritiva demais, é na verdade uma grande divagação epistemológica sobre a mente.
Solaris é um planeta coberto por um grande "oceano vivo". Os próprios cientistas não sabem o que Solaris é, apenas de que se trata de uma massiva biomassa, que de alguma forma consegue controlar aspectos físicos do planeta, como o relevo ou mesmo seu campo gravitacional. A grande questão é: até que ponto o oceano pode ser considerado vivo ou consciente? No enredo acompanhamos o psicólogo Kelvin, enviado para uma estação espacial que orbita o oceano. Chegando lá, o astronauta se depara com um cenário estranho: os poucos cientistas que lá se encontram, estão paranoicos ou enlouquecendo, por causa da presença de estranhos visitantes. As coisas ficam mais complexas, quando Kelvin recebe a visita de um antigo amor, morta há tempos...
Solaris é bem descritivo no que diz respeito as esquisitices que acontecem no oceano: estruturas colossais que surgem e são aniquiladas o tempo todo, "ilhas orgânicas" que vem e vão; simulacros de objetos terrestres que emergem das profundezas; a própria estrutura biológica do oceano, que não é composto de células, mas se assemelha à um tipo de plasma proteico; e claro, os misteriosos Visitantes, gerados a partir das memórias dos astronautas. Tudo é muito misterioso em Solaris, com exceção dos Visitantes — completamente perdidos, extraídos da memória de outra pessoa para uma estranha realidade — o oceano não dá nenhum sinal de ser de fato consciente, qualquer tipo de tentativa de contato sempre resultou num grande vácuo.
É nesse vazio deixado pela falta de respostas que Stanislaw Lew divaga. A solarística, é o conjunto de teorias acumuladas no avanço científico sobre Solaris, onde várias hipóteses são discutidas a respeito de sua consciência, mostrando o surgimento de escolas de pensamento diferentes, sempre tentando responder um problema incontornável. Aqui o autor imagina como seria a discussão epistemológica envolvendo o contato com uma consciência bem diferente da nossa. Os cientistas imersos nas pesquisas sobre Solaris acabam criando vários dogmas, "religiões" que tentam lidar com aquela mente que nunca responde!
É a partir desse "silêncio" que se desenvolve o principal tema do livro: a natureza da consciência. Vivendo em meio à milhares de espécies, nós conhecemos apenas a nossa consciência — nem mesmo a mente de outra pessoa nos é possível vislumbrar. Tendo apenas nós mesmos como referência, é inevitável projetar nossa noção de consciência para o cosmos na busca de algo parecido, e a resposta claro, é sempre o silêncio. Se não conseguimos nem mesmo visualizar a consciência de espécies que compartilham esse mundo com nós, o que dirá de estruturas biológicas completamente diferentes? As coisas se complicam na presença dos Visitantes: qual o objetivo de Solaris com aquelas criações? Qual o intuito em vasculhar o cérebro dos astronautas e materializar memórias tão específicas? Uma mensagem ou um prêmio? Nossa consciência, por si só, está sempre em busca de um objetivo, uma função, uma razão. Nosso jeito de pensar e concatenar ideias, está sempre buscando senão uma origem, um fim. Mas as coisas nem sempre precisam ter um sentido, elas são o que são, somos nós que chafurdamos em religiões buscando sentidos que não existem. Sai de cena o Telos aristotélico — ideia de que tudo que existe, existe para algo — entre em cena a Vontade de Schopenhauer — a necessidade de ser, sem um objetivo específico e impossível de ser saciada.
Solaris é uma massa biológica sem consciência, ou é uma antiga entidade consciente que se afundou dentro de si mesma? Os Visitantes tem algum objetivo ou só foram feitos porque a entidade poderia realizar tal façanha? Solaris reflete uma busca que o homem perpetra desde o início, a busca por alguma outra consciência, sempre recorrendo à deuses ou outras entidades extraterrenas, mas talvez a consciência por si só seja algo sem objetivo, algo que simplesmente é. E o que é então o oceano de Solaris? Nesse caso, faço minhas as palavras de Kelvin:
"É o único deus no qual eu poderia acreditar, um deus cuja paixão não seja uma redenção, que nada salve, que não satisfaça nenhum propósito... um deus que simplesmente seja."
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