Desonra
- Italo Aleixo
- 23 de fev. de 2024
- 2 min de leitura

Indigesto! Li em algum lugar que Desonra é um romance de formação às avessas e essa é de fato sua melhor definição.
Na trama o professor David Lurie, convicto de suas virtudes, cai em desgraça após se envolver com uma aluna, e uma vez refugiado no coração da África é assolado por um mundo voraz que abala todas suas convicções.
Narrado pelo ponto de vista de Lurie, o livro remete um pouco ao universo masculino deturpado de Philip Roth, mas a obra de Coetzee tem um tom mais interpessoal. Diante de forças incontroláveis, como a humilhação e a desonra, da violência, da existência de estruturas sociais que ignoram completamente sua história e do choque de consciência entre os sentimentos com relação à aluna Melanie e à filha Lucy, vemos a transformação de todo um corpo de personagens pelos olhos de Lurie, que tenta consumir essa nova e intragável realidade.
O livro se passa na África do Sul pós Apartheid, mas confesso ser difícil enxergar esse recorte histórico, uma vez que o livro tem um aspecto mais filosófico. O que se vê é a jornada de uma pessoa estabelecida num estilo de vida tipicamente ocidental, lançada num mundo... diferente... selvagem, onde as estruturas de poder tem códigos éticos e morais próprios.
"Ética" e "Lei" são os grandes temas debatidos nas entrelinhas do livro. Temas que o autor separa muito bem e cita nas pouquíssimas entrevistas que dá, ditam o tom de Desonra. O grande debate é até que ponto os direitos e os deveres andam juntos e qual direito é menos importante: a dos animais à vida, as mulheres ao próprio corpo, os homens ao desejo, o status social?
Sem lições de moral ou acontecimentos atenuantes, o debate é puramente interior. Entre estupros e humilhações — violações, é a palavra que melhor se aplica aqui, mesmo sem um significado específico — David Lurie segue seu desenvolvimento. Não um típico jovem com toda uma vida pela frente, mas um velho incapaz de moldar o mundo e preso aos absurdos que a vida lhe impôs.
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