Europa Report: Uma Odisseia no Espaço mais próxima da visão de Arthur C. Clark
- Italo Aleixo
- 10 de mai. de 2024
- 4 min de leitura

A Teoria da Evolução de Darwin e as primeiras observações mais detalhadas de Marte, prepararam o terreno para a ficção científica, que se deleitou em especular sobre a nossa evolução e a existência de extraterrestres. As primeiras obras a florescerem no gênero colocavam a raça humana para enfrentar invasões alienígenas ou travar guerras intergalácticas. O gênero de fantasia comungou com o sci-fi, levando a monarquia e o épico para o espaço, gerando as Space Operas. Outra famosa teoria científica, a Teoria da Relatividade, semeou a viagem do tempo nessas histórias. O sci-fi era uma janela para o futuro, mas se ignorava como esse futuro começaria.
Poucos livros são tão emblemáticos para a ficção científica quanto 2001 Uma Odisseia no Espaço. Lançado em 1968 por Arthur C. Clarke, o livro deixa a fantasia de lado e expressa as dificuldades reais envolvidas na viagem pelo universo. Clarke que trabalhou com satélites — atuando na Segunda Guerra Mundial e criando o conceito de Satélite Geoestacionário — conhecia bem a problemática envolvida em atuar sob "gravidade zero" e usou seu conhecimento para mostrar quais os percalços existiriam num empreendimento de tal magnitude, utilizando a tecnologia conhecida. Clarke que sempre olhou para o céu, manteve os pés no chão para contar como seriam os primeiros passos da humanidade na conquista do universo.
A trama mostra a jornada da nave Discovery One com destino a Saturno, na missão de investigar estranhos monólitos espalhados pelo Sistema Solar. As primeiras páginas de 2001 Uma Odisseia no Espaço mostram a preocupação de Clarke com o provável contato com vida extraterrestre, um exercício poético que mescla ciência e antropologia. O grande trunfo do livro está em como a tecnologia é utilizada, pois sem acesso à velocidade da luz, teletransportes ou dobras espaciais, o homem precisa recorrer à propulsão por combustão, gerar gravidade artificial e aprender a navegar na inércia, enfrentando os perigos do espaço numa jornada que dura anos.
Outro livro que eu gostaria de mencionar é Moby Dick. Dentre as várias qualidades que podemos destacar nesse clássico romance norte americano, está sua estrutura. Diferente das narrativas em moldura — onde as estórias estão dentro de uma estória maior — o livro de Herman Melville, tem uma estrutura semelhante à uma "espinha de peixe", que usa o enredo principal, a caça do obstinado Ahab à baleia branca, para enraizar as outras estórias. Moby Dick não é sobre uma baleia, mas sobre as vidas dos tripulantes que compartilham aquela experiência, estórias que têm influências literárias, religiosas, divagações ecológicas, fábulas com lição de moral e muito simbolismo embutido. 2001 Uma Odisseia no Espaço tem uma estrutura parecida, onde a viagem para Saturno é apenas a raiz de onde se ramificam as ocorrências da rotina dos astronautas. São vários os bons momentos, como a manobra de slingshot na órbita de Marte para ganhar propulsão, o colapso de uma sonda lançada em Júpiter que não pôde transmitir suas descobertas, a arriscada passagem pelos campos de asteroides, entre outros. Dentre todas, duas tramas são memoráveis: o astronauta que "cai" no espaço e pela ação da inércia não pode ser resgatado, assistindo o afastamento da Discovery One durante HORAS, e o dilema ético que a inteligência artificial, HAL 9000, precisa lidar em certo momento do livro.
O fato é que grande parte da fama de 2001 Uma Odisseia no Espaço se deve ao filme de Stanley Kubrick. Os autores se uniram e desenvolveram o livro e o roteiro em conjunto, baseados em contos de Clarke. O sucesso do filme é inegável, um espetáculo visual até hoje aclamado como uma das maiores produções da história do cinema e se tornou talvez a referência máxima para a estética do sci-fi espacial. Mas quem apreciou as duas obras encontra uma grande diferença entre elas: enquanto Clarke mira nos aspectos científicos, Kubrick opta por uma narrativa minimalista e contemplativa, num filme de nuance quase exclusivamente filosófica.
Apesar de ser até hoje celebrado — a sequência de abertura continua sendo uma das mais emblemáticas da história do cinema — o filme de Kubrick se distancia muito do que Clarke tinha concebido e embora confira identidade visual para a obra, deixa um vazio em matéria de adaptação. Bem menos badalado e lançado muitos anos depois, é um outro filme que se apresenta como uma adaptação mais fidedigna ao livro de Arthur C. Clarke: Europa Report. Descarto qualquer tentativa de fazer comparação entre o filme de Sebastián Cordero, lançado em 2013, com a obra de Stanley Kubrick, mas vale ressaltar que Europa Report se alinha muito mais com a visão científica e a com a exploração espacial presentes na obra literária.
No filme, uma nave viaja com destino a Europa, uma das luas de Júpiter, para uma exploração científica. A tripulação é composta por uma equipe multidisciplinar de astronautas e uma inteligência artificial, que tem por objetivo explorar a lua. Assim como no livro, o filme foca no dia a dia desses astronautas e nas dificuldades reais envolvidas na travessia do espaço, e muitos dos eventos parecem ser baseados no livro — como o fatídico acidente com o astronauta. Outro aspecto no qual Europa Report se encontra em sintonia com a obra de Clarke, é na possibilidade do primeiro contato, mostrando como seria a interação biológica dos seres humanos com um ecossistema completamente distinto, sem apelar para o desfecho metafísico.
Ainda poderíamos citar vários filmes que focam nesses aspectos, mais ou menos famosos: Sunshine (2007), Perdido em Marte (2015), Gravidade (2013) e o próprio Alien: O Oitavo Passageiro (1979) — deixando de lado o horror — mas nenhum bebe das fontes de 2001 como Europa Report. O filme se baseia não só dos acontecimentos do livro, como também sua direção de arte tem muita influência da estética de Kubrick. De certa forma é um lampejo do que teria sido 2001 se Kubrick tivesse seguido se guiado mais pelas ideias de Clarke!
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