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Meditações Metafísicas

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 15 de mar. de 2024
  • 4 min de leitura

O grande problema central para a epistemologia é como se dá o acordo entre, a realidade de fato e os aparatos subjetivos que utilizamos para interagir com ela. Há séculos, os filósofos se debruçam sobre essa questão primordial e debatem como funciona essa relação. O racionalismo foi uma das primeiras doutrinas que almejavam uma visão mais científica do mundo e se opunham à metafísica e outras escolas do pensamento medievais, focando nos principais problemas que envolve a epistemologia até hoje: o que de fato podemos chamar de conhecimento, como o obtemos e quais são seus limites?


O racionalismo defende que existem verdades fundamentais, objetos do conhecimento basais, a partir dos quais podemos derivar outras verdades — esse é um debate entre quase todas as doutrinas epistemológicas: onde estão e o que podemos considerar essas verdades — e acredita que essas verdades já existam como conhecimentos a priori no intelecto humano. A partir disso, utilizamos a intuição para conhecer essas verdades basais e a dedução para conhecer coisas que não são evidentes. De acordo com o racionalismo, portanto, a razão seria mais importante do que a experiência — outras doutrinas, como o empirismo, defendem que não existem verdades basais e tudo aquilo que conhecemos é fruto de nossas experiências.


Renê Descartes é um dos primeiros autores dentro dessa corrente filosófica, e portanto, Meditações Metafísicas é um dos primeiros primeiros tratados sobre o conhecimento nessa linha de pensamento que futuramente viria a ser a epistemologia. O livro é narrado em primeira pessoa, como uma série de "cartas" nas quais o autor fala aos seus orientadores, à respeito dessa proposta racional de organizar o pensamento. Descartes começa redigindo uma série de meditações onde ele se impõe a dúvida elementar:


"Já faz algum tempo que me dei conta que, desde a minha infância, eu admitira como verdadeiras muitas opiniões falsas, e de aquilo que desde então construí sobre princípios tão pouco seguros só podia ser muito incerto ou duvidoso."

Ele começa separando as experiências oriundas dos sonhos com a experiência do mundo desperto, e tenta entender de onde vieram os erros que cometeu e discorrendo sobre o que pode ou não pode ser conhecido. Sua primeira arremetida é tentar refutar tudo o que pode ser real, utilizando a lógica, considerando então a existência hipotética de um gênio maligno. Tal gênio teria como único intuito enganá-lo, dessa forma nada do que se conhece pode ser real, pois tudo seriam informações falsas vindas desse entidade. A partir desse pensamento ele presume que, para ser enganado, ele precisa antes de mais nada existir:


"De modo que, após ter pensado sobre isso e ter examinado cuidadosamente todas as coisas, é necessário, por fim, concluir e sustentar constantemente que esta proposição — a saber, eu sou, eu existo — é necessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espírito."

Uma vez estabelecida a realidade de sua própria existência e a noção de que como criatura pensante, seus pensamentos provém apenas dele, Descartes estabelece que outras noções subjetivas — que segundo ele seriam impossíveis de serem adquiridas por meio da experiência — como o infinito e a própria noção de Deus, só podem ter sido colocadas em sua mente porque um Deus infinito de fato existe. Restabelecida a confiança na existência de um Deus bom e infinito, Descartes restaura sua confiança nos sentidos:


"Parece-me que já posso estabelecer como regra geral que todas as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras."

A partir desses conhecimentos a priori — noções de conceitos metafísicos, matemática, etc... — e das experiências claras e distintas, Descartes desenvolve sua ideia sobre a natureza do conhecimento e daquilo que podemos considerar real, como por exemplo os fenômenos naturais de causa e efeito, sempre reforçando a inevitável existência de Deus. Descartes ainda discorre sobre os limites do conhecimento, que é uma das grandes preocupações da epistemologia:


"(...) mas que acontece que eu me engano, visto que o poder que Deus me concebeu para discernir o verdadeiro e o falso não é em mim infinito. (...) De onde, portanto, nascem meus erros? Na verdade, nascem unicamente do fato de que, sendo a vontade muito mais ampla e muito mais extensa do que o entendimento, não a contenho nos mesmos limites, mas a estendo também às coisas que não entendo."

O racionalismo como tal já foi adaptado, modernizado e substituído por outras doutrinas. As Meditações Metafísicas, que propõe justamente a existência de um limite para o conhecimento é ainda todo fundamentado em... metafísica! Noções medievais e dogmatismo religioso são pilares que Descartes usa para construir sua linha de raciocínio. A uma primeira vista, a obra mais parece uma obra teológica que tenta restaurar a figura divina sob a óptica racional — e de fato, essa é uma das justificativas que Descartes dá para seu livro — porém quando analisado dentro do contexto da filosofia da ciência é na verdade uma tentativa de romper com dogmas antigos sobre o pensamento, e que de fato influenciou diretamente toda a filosofia que sobreveio à ela. É um livro fundamental para entender como se deu o desenvolvimento do pensamento epistemológico — acredite, para entender autores atuais é inevitável pelo menos conhecer esses conceitos contidos nas doutrinas clássicas.


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