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O Aquecimento Global é "apenas" A Proposta de um Novo Jogo

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 30 de jun. de 2024
  • 8 min de leitura

Atualizado: 15 de ago. de 2024

Imagem feita por IA de um planeta pegando fogo

A primeira ideia que nos vem à mente quando ouvimos sobre o aquecimento global, são as super catástrofes hollywoodianas: incêndios gigantescos, terremotos continentais, ondas abruptas de congelamento, tsunamis, e toda sorte de fenômenos naturais. Eventos extremos reforçam essa ideia, mas são mais propensos à evocar sentimentos passionais do que levar à reflexão, uma uma vez que eles sempre existiram e costumam ser pontuais. A discussão do problema fica divida entre alarmistas que clamam por uma "vingança da natureza" de um lado e negacionistas de outro. Acontece que o aquecimento global é muito mais silencioso do que esperamos e seus efeitos se dão por redes intrincadas de eventos complexos, pode parecer contraditório mas, sua maior ameaça não são as grandes catástrofes, mas sim o movimento!


Podemos descrever tudo no universo com foco no movimento, desde o funcionamento de partículas subatômicas até a formação dos conglomerados de galáxias, passando pelo formato atual da superfície do nosso planeta, que é apenas um estado de uma esfera que está sempre se transformando. A própria história da vida é uma história sobre o movimento. O senso comum normalmente pensa a evolução como organismos se transformando em outras coisas completamente distintas, mas a melhor maneira de visualizar a evolução é pelo movimento: imagine a peregrinação de populações inteiras de indivíduos de uma mesma espécie se movendo pelo ambiente em busca de recursos, jornada na qual muitos perecem e os sobreviventes passam as suas características em diante, por meio de seus descendentes, moldando para sempre o caráter da espécie. Para uma melhor visualização, esqueça os indivíduos isolados e pense em grandes manchas ou polígonos...


As espécies não se distribuem aleatoriamente no globo terrestre, cada espécie ocupa regiões específicas do planeta: se plotarmos a posição exata de cada indivíduo no espaço e traçar um perímetro em volta desses pontos, temos um polígono imaginário — na biologia chamamos isso de Extensão de Ocorrência — que representa a porção do planeta que cada espécie ocupa. O tamanho e formato desse polígono, são afetados tanto pelos fatores físicos que as espécies podem suportar, como temperatura e umidade, por exemplo, quanto pela própria relação com outras espécies, predação, competição, especialização de habitat, etc... Em suma esses polígonos disputam um lugar no espaço uns com os outros e se as condições do planeta fossem sempre estáveis eles tenderiam ao equilíbrio, mas como o planeta está em constante mudança, eles brigam entre si, coexistindo, aumentando ou diminuindo de tamanho e consequentemente, desaparecendo.


A movimentação desses polígonos é causada pelo comportamento dos indivíduos, que para acompanhar as mudanças do planeta, precisam se deslocar ou mudar a própria fisiologia, de forma que, aqueles incapazes de se adaptar desaparecem do sistema. Mesmo num cenário com condições ambientais estáveis, a própria movimentação e mudanças internas de uma população, causadas por exemplo, por mudanças na hierarquia ou mesmo mutações genéticas, já podem levar à uma alteração na composição desses polígonos, mas são as mudanças ambientais que mais os influenciam. O planeta possui ciclos de estabilidade e de mudanças abruptas e são durante as mudanças abruptas que essa movimentação das espécies se torna mais intensa.


A adaptação à novos ambientes é em geral bastante lenta, pois depende do surgimento de mutações vantajosas que permitam a adaptação à condições físicas adversas além de uma boa inserção na rede de interações existente — quais serão os novos predadores? E as fontes de alimento disponível? Quem mais estará competindo por esse mesmo recurso? — Mudanças abruptas nas condições físicas do ambiente, obrigam esses polígonos a se movimentar mais intensamente, seja para áreas sem condições ideais ou para áreas onde já existam outros polígonos. Como a maioria das espécies não tem tempo para se adequar, isso leva à diminuição do tamanho desses polígonos — afinal mesmo que uma espécie consiga se manter no ambiente, vários indivíduos não o fazem — ou ao seus completos desaparecimentos, culminando em eventos que nós biólogos chamamos de Extinção em Massa. Os dinossauros não foram extintos exclusivamente pela queda de um meteoro, mas sim porque as condições físicas do planeta após o impacto, obrigaram as espécies à se deslocar intensamente e eliminaram as condições para a maioria delas existir.


Esse movimento sempre existiu, mas ele é normalmente lente e cada espécie tem seu padrão próprio de movimentação diferente das demais, mas em cenários de mudanças radicais no ambiente, esse movimento é acelerado e afeta um número muito maior de espécies — senão todas. O que o aquecimento global causa de imediato é exatamente uma mudança abrupta das condições ambientais, obrigando a movimentação massiva dos polígonos. Um aumento de 3ºC nas temperaturas médias, só nos parece banal porque ignoramos que nossa temperatura é regulada internamente — devemos nos lembrar que um aumento de apenas 1º ou 2º na nossa temperatura corporal efetiva, é um caso de febre que se torna letal se não for revertido — mas para diversas outras espécies isso é impossível, e ela se autorregulam usando o ambiente externo. Além disso, a biodiversidade não terá que lidar apenas com o aumento da temperatura especificamente, mas com todos os outros fatores causados por ela. Toda a superfície terrestre está sendo transformada radicalmente, em tempo recorde: esse calor já é influente o bastante para alterar os regimes das chuvas — o que estamos vendo no Rio Grande do Sul é um exemplo disso — podendo criar novas bacias hidrográficas onde elas não ocorrem ou secar bacias existentes; a desertificação é outro processo já conhecido desde a antiguidade — e quase sempre associado à ocupação antropogênica — e tem aumentado cada vez mais nas últimas décadas, inclusive em regiões sem histórico de seca; as regiões polares também estão desaparecendo, calotas, glaciares, icebergs e o solo permanentemente congelado da Tundra, o Permafrost, estão, literalmente, escorrendo pelo ralo; toda essa água doce irá aumentar o nível dos mares, deixando inabitadas quase todos os limites costeiros do planeta, e somada ao aquecimento, pode ainda mudar as correntes oceânicas, que são as grandes reguladores de temperatura e umidade no planeta; esses são apenas os fenômenos mais óbvios, caberia num livro todos os potenciais impactos causados pelo aumento da temperatura. Enfim, podemos considerar o planeta como um tabuleiro onde as "peças" (polígonos), se movimentam no grande jogo da evolução, obedecendo as regras impostas pela natureza, os eventos de extinção em massa são mudanças radicais dessas regras e onde um novo jogo se inicia — utilizando o pouco que restou de "peças" antigas.


Mas e daí? Qual é o impacto do aquecimento global para os seres humanos? Podemos simplesmente partir do princípio que as catástrofes serão sempre superadas e de que nem precisamos da biodiversidade para sobreviver, a realidade Cyberpunk que pressagia um mundo inteiramente cinzento, ultra tecnológico, desumanizado e despovoado de suas formas de vida, pode parecer aterradora para nós, mas pode ser perfeitamente aceitável para as gerações futuras, não sabemos! Mesmo que fossemos uma das poucas espécies no mundo e já estivéssemos adaptados para suportar o calor, o problema ainda seria o mesmo. Apesar de estarmos amplamente distribuídos pelo globo, nossa espécie é organizada culturalmente, em países, povos, etnias, etc... na forma de polígonos como os citados anteriormente. Cada polígono humano, também muda sua forma e sua posição no globo, competindo entre si, as regras são apenas um pouco mais complexas, pois não demandamos de apenas necessidades ambientais, mas também culturais!


Nós jogamos o mesmo jogo e nossa história também pode ser contada como uma grande movimentação de polígonos: existem povos que se fixam em determinados lugares, alterando apenas a forma ou o tamanho de sua distribuição, enquanto existem nômades que se deslocam pelo tabuleiro; existem impérios que crescem e "comem" outras peças, entram um conflito uns contra os outros e desaparecem; fronteiras que surgem e pátrias que se unificam num eterno e complexo jogo político, seguindo as regras impostas pela economia, cultura e pela linguagem. Em geral nós ignoramos que a geografia e o meio ambientes sempre estiveram envolvidos nos padrões de movimentação dos polígonos humanos. Em um clássico premiado com o Pulitzer, Jared Diamond conta como a humanidade domesticou apenas algumas poucas espécies, para realizar um grande salto expansivo e tomar de assalto todo o planeta e como a geografia regula esse processo, determinando a disponibilidade de recursos e estabelecendo fronteiras. Nem é preciso aprofundar tanto nesse tema, para perceber certos padrões de posicionamento dessas "peças", como a concentração de polígonos permanentes em torno dos grandes rios, ou a a presença de polígonos nômades nas grandes planícies e desertos — onde a oferta de água ou alimentos é flutuante — sabemos por exemplo, que foram alterações climáticas nas estepes asiáticas que obrigaram centenas de tribos nômades se movimentar em busca de recursos, perpetuando o nome de alguns indivíduos nesse processo, como Atilla ou Gengis Khan!


Se mudanças ambientais localizadas, espalhadas pelo planeta, são responsáveis por boa parte dos processos que compõe a história da humanidade, imagine o que pode fazer um aumento abrupto das temperaturas em escala global e num período curtíssimo de tempo: uma alteração na Corrente do Golfo por exemplo, pode cortar o abastecimento de calor de toda a Europa, ou um rio que abastece uma grande metrópole, pode simplesmente "mudar de lugar" com a variação nos regimes das chuvas — no momento em que estou escrevendo esse texto, o Pantanal passa por um dos piores episódios de seca das últimas décadas e vendo sendo arrasado por incêndios. De acordo com dados de satélites, em 2023, a maior planície alagável do mundo, perdeu 61% de sua superfície de água, quando comparada com a média histórica — É possível ficar horas e horas discutindo quais problemas o aquecimento global pode causar, mas basta ter em mente que quais eles sejam, a problemática é o desencadeamento de uma movimentação massiva de grandes polígonos humanos. Estamos resetando todas as regras do jogo atual, um feito de tal magnitude, até então não realizado na história da humanidade.


O argumento negacionista persistente é o de que essas mudanças são naturais, pois o planeta está em permanente transformação e já foi muito mais quente em outras eras. De fato, se consideramos o planeta como apenas uma estrutura rochosa desprovida de consciência, é incoerente debater como as variações físicas significam algo para ele. Podemos dizer o mesmo até para a Vida enquanto fenômeno natural. Os seres-vivos podem ser descritos como meros sistemas físico-químicos, que extraem ativamente a energia do ambiente para manter a coesão e se autorreplicar. Mesmo uma comunidade com baixa riqueza e condições físicas quase abióticas, ainda é um ambiente ideal para as espécies que vivem ali! Portanto, embora de fato o planeta já tenha atingido condições muito mais extremas, o aquecimento global apenas se faz evidente sobre a perspectiva daqueles capazes de identificá-lo, pois possuímos uma preocupação ontológica com esse problema, mas apenas se assumirmos que nossa existência é importante!


Com o passar do tempo e da falta de esforços unificados da humanidade, fica cada vez mais difícil reverter qualquer impacto causado pelo aquecimento da superfície terrestre. Os cientistas estão cada vez mais céticos sobre conseguir voltar esse passo atrás e as preocupações imediatas, são cada vez mais paliativas. Mesmo alcançando esse extremo, ainda existe quem acha que tudo está normal , que as coisas não vão mudar e serão como sempre foram. Por isso a importância de tentar entender o panorama como um todo: o ambiente está mudando silenciosamente mas de maneira rápida, e os polígonos que representam todas as espécies ou povos do planeta, estão ameaçados por uma necessidade iminente de se deslocar. Enquanto focamos nos eventos extremos, mudanças menos vistosas estão ocorrendo em todos lugares, transformando o planeta em tempo recorde e causando uma mudança radical nas regras de um jogo, que logo não seremos mais aptos a jogar!

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