o herói de mil faces
- Italo Aleixo
- 16 de fev. de 2024
- 3 min de leitura

Em O Herói de Mil Faces, o notório mitologista, Joseph Campbell, defende a teoria de que os grandes mitos da humanidade, são na verdade uma única narrativa recontada de várias maneiras diferentes, forjadas em um único inconsciente compartilhado. Tal qual o modelo platônico, uma narrativa ideal existiria por trás de todos as estórias contadas por nós, dos poemas épicos aos contos populares.
É incontestável que existam elementos comuns que se repetem nas mais diversas estórias, mas derivar daí a ideia de um único modelo de mito universal, que tenha como motor apenas o subconsciente da nossa espécie, é uma abordagem no mínimo obscura. Por um lado, algumas semelhanças são interessantes e geram bons debates, por outro, algumas das comparações feitas pelo autor soam como tentar defender que, todos os esportes que utilizam uma bola são em essência um mesmo esporte original.
O grande problema aqui é a "mecânica" utilizada para explicar a teoria. Apesar de ser uma obra de conteúdo antropológico, não é abordado aquele que talvez seja o maior motor das histórias no mundo: o intercâmbio cultural! Pelo contrário, fica no ar a ideia de que os mitos do mundo se originaram todos espontaneamente, sem nenhuma influência mútua. No lugar desse mecanismo óbvio — que o autor não nega, mas sequer desenvolve — é proposta uma explicação por meio da psicanálise e seus conceitos freudianos — muito populares em meados do século XX — onde todos teríamos um mesmo subconsciente e por isso todos os mitos seriam semelhantes.
De acordo com Campbell, os mitos de Jesus, Buda, Gilgamesh e etc... seriam basicamente a mesma história oriunda de uma narrativa preexistente no inconsciente do Homo sapiens, ainda explica que alguns temas recorrentes nessas histórias seriam arquétipos muito explorados na psicanálise, dessa forma, a "descida ao submundo" seria uma "tentativa de volta ao útero materno"... em momento algum, no entanto, é discutido o fato de que todas essas entidades tiveram origem num mesmo eixo comercial e cultural. Campbell também tece comparações entre as entidades menores, comparando por exemplo, os animais falantes europeus com os africanos como sendo ontologicamente iguais, deixando de lado o fato da visão de mundo desses povos serem completamente distintas: entidades falantes de religiões animistas, nada tem haver com elfos, duendes ou com os animais metafóricos das fábulas de Esopo.
E para finalizar, o Monomito! Esse é o conceito mais aclamado da obra de Campbell, repetido aqui e acolá por alguns pensadores, mas principalmente por nerds e fãs de RPG. A ideia de uma narrativa universal presente em todas as histórias — a do herói que se depara com uma missão, precisa abandonar o lar e partir numa jornada em busca de experiência — é muito vaga, e destituída de substância e só ganhou sobrevida no meio do público nerd, quando os fãs de Star Wars ganharam uma justificativa para comparar seu Luke Skywalker com Jesus Cristo! Tal teoria é tão excepcional quanto teorizar que todos os filmes tem início, meio e fim... Isso tem muito mais relação com como a matéria é vinculada ao espaço e ao tempo, do que com o funcionamento da mente humana.
Enfim, a ideia do autor é pertinente e universal: nós humanos criamos os mitos como narrativas que dão significado para nossa existência e recorremos ao universo e a criação e destruição da vida, na busca desse algo a mais. A eterna tentativa de explicar sempre a mesma coisa, a partir de fenômenos em comum e por meio de intercâmbio cultural, acaba fazendo com que muitos mitos sejam simples variações uns dos outros — Alberto Mussa escreveu um excelente ensaio, com ressalvas, propondo que todos os mitos sobre o Fogo seriam derivados de um mito original. A própria obra, O Herói de Mil Faces, é uma baita coletânea de dezenas de mitos e da comparação entre eles, mas a proposta de igualar todo e qualquer mito num mesmo patamar e utilizar a interpretação dos sonhos para justificá-los, nada mais é do que uma ladainha defasada!
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