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O Silêncio dos Animais

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 21 de jan.
  • 3 min de leitura

Os fundamentos do que chamamos hoje de Pensamento Ocidental são cimentados na ideia do progresso. Quando os iluministas perceberam que o sentido da vida não recaía sobre os deuses, coube a razão e a ciência ocupar o espaço deixado por tais entidades. O contraste entre o período medieval opressor com a modernidade, onde a liberdade e as realizações científicas eram valores emergentes, gerou um clima crescente de otimismo. Essa sensação de melhoria na sociedade culminou com a ideia de progresso que temos hoje. Na esteira dos avanços tecnológicos e das declarações dos direitos humanos, se estabeleceu a ideia de que a sociedade tende sempre a evoluir.


O grande problema é que verificar as crenças no progresso é uma tarefa tão impossível quanto verificar a existência dos deuses. A ideia de que o ser humano tem a capacidade de "melhorar eternamente", não pode ser verificada, e por isso, se enquadra no grupo das mitologias. Versões extremas dessa vertente pessimista, acreditam que se buscarmos o mais profundamente que pudermos, não encontraremos sentido em nada e por isso toda e qualquer narrativa humana é mitológica. O autor John Gray segue uma linha de pensamento parecida, onde para ele a ideia de progresso é por si só um mito.


O Silêncio dos Animais não chega a ser uma obra profunda, está num meio caminho entre livro de filosofia e ensaio literário, mas é clara o bastante para expressar o pensamento do autor. John Gray se baseia quase exclusivamente na literatura do período entreguerras, para mostrar como o pensamento humano variou sem nunca evoluir de fato, apenas indo e vindo em ciclos infindáveis. Citando tanto autores progressistas quanto pessimistas, Jhon Gray mostra como todo o sentido se perde, quando o mundo ao qual conhecemos colapsa e mergulha no caos.


Para o autor, o progresso não existe e a história da humanidade é apenas a história de ciclos econômicos que surgem e decaem. O autor argumenta que a razão, pilar para o desenvolvimento, não é uma característica perfeita como tendemos a crer, pelo contrário, a psicologia mostra que não usamos a razão para interpretar a realidade, e sim que reinterpretamos os fatos para sustentar nossas crenças. O animal humano depende dos mitos, criados pela linguagem e são eles que orientam nossa percepção da realidade.


O autor, que não defende uma visão niilista do mundo, se identifica até certo ponto com o pensamento do Freud (muito citado ao longo do livro), que entende que os mitos são artificiais mas não há nada que possamos fazer para evitá-los, e que vê a consciência humana como algo imperfeito que precisa ser tratada, sem almejar no entanto, uma cura. Gray contrapõe diversas obras literárias defendendo uma postura mais designada perante ao destino. Para ele, as doutrinas que aceitam o destino de braços abertos (como o amor fati de Nietzsche; ou a contemplação total da natureza dissociada de propósito), o Cristianismo e o Progressismo, todas tem em comum a negação da tragédia, que deixa de ser um fato definitivo e se torna apenas um fracasso que pode ser superado. Nesse tipo de pensamento, a alma, consciência, vontade, são entidades especiais, dissociadas da natureza e o Homo sapiens é apartado da árvore da vida, para um pedestal especial. Para Gray, defender esse tipo de pensamento, é negar nossa natureza.


É difícil dissociar o pessimismo de Gray com o período ao qual ele aborda na obra, o entreguerras. Uma leitura superficial leva o leitor a imaginar que o autor teceu sua revolta exclusivamente sobre esses momentos negros da história. De fato, Gray escolhe muito da literatura desse período para fazer seu debate, mas não é uma abordagem leviana, Gray é um pensador bastante influente que segue uma linha filosófica notoriamente pessimista. No entanto aprofundar demais nesse tipo de pensamento é também se lançar à um abismo por vezes autodestrutivo. Se a crença nos mitos faz parte da natureza humana é virtualmente impossível encarar o vazio da existência sem se apegar à alguma fantasia, e dessa forma, sempre existirá um Telos, as religiões, ou os Super-homens niilistas. O grande drama de toda filosofia é saber quando devemos deixar de acreditar no mítico.


O Silêncio dos Animais é só um "apêndice" de uma obra mais vasta do autor. Embora o livro seja bastante influenciado pelos horrores da primeira e segunda guerras, o autor é influente inclusive no Século XXI, atacando cirurgicamente pontos fundamentais do liberalismo e do pensamento progressista. Gray não tenta vender um tipo de filosofia de vida alternativa, ele apenas escancara o fato da natureza humana não acompanhar o progresso, que este seria apenas uma invenção da linguagem e portanto não condiz com a realidade. Para Gray o maior ansejo e dificuldade humana é encontrar o silêncio interior, algo natural nos outros animais!

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