Os Filhos da Noite
- Italo Aleixo
- 4 de mai. de 2024
- 3 min de leitura

Dennis Lehane já escreveu romances policiais no melhor estilo noir, já abordou traumas de infância em Sobre Meninos e Lobos — que foi ao adaptado para o cinema por Clint Eastwood — e conduziu uma alucinante investigação policial em um manicômio, com Paciente 67 — que deu origem ao filme A Ilha do Medo de Martin Scorcese. Com três adaptações de suas obras para o cinema e dono de uma narrativa limpa, direta e violenta, Lehane promete em seu romance mais recente, uma típica história da máfia. Porém, embora propagandeado como um Scarface, Os Filhos da Noite deixa muito a desejar.
Passado na década de 20 em plena Lei Seca dos EUA, o livro conta a história de Joe Coughlin, típico adolescente conturbado de Boston que vive cometendo pequenos delitos e acaba se apaixonando pela garota de um poderoso mafioso local. Tal fato muda a vida de Joe, colocando-o para sempre de fora das margens da lei. O livro pode ser divido em duas partes distintas: uma que narra a adolescência de Joe desde seu envolvimento com Emma Gould, o grande amor de sua vida, e culmina com sua prisão; outra que narra a ascensão do império de Joe em Tampa.
A primeira parte do livro é de longe a melhor, pesada e fascinante, ela ressalta bem os momentos que definiram a vida de Joe, como a paixão por Emma, a relação conturbada com o pai e o envolvimento com criminosos, enfim, um fiel retrato da juventude e sua eterna rebeldia sem causa. O que se encaminhava para uma excelente obra, cai de ritmo e descamba, quando na segunda metade do livro, somos apresentados a um inteligentíssimo Joe Coughlin, acabado de sair da prisão e enviado para tomar o controle de um território hostil, onde se apresenta como um personagem legal, gente boa, não adepto à violência e sempre disposto a perdoar. Os dois Joe’s mostrados no livro, parecem personagens completamente diferentes, e é inverossímil a conquista de um verdadeiro império do crime, pelas mãos de um Joe bonzinho, conseguida através dos laços de amizade. A ideia de um gangster do bem não vende.
Os diálogos de Lehane sempre foram marcantes e com Joe não é diferente, ele sabe que é um gangster, que faz parte do crime, mas isso não reflete em suas ações. Joe comete erros crassos para o mundo em que está inserido, chegando ao ponto de perdoar inimigos implacáveis e vingativos, e mesmo assim consegue sempre aumentar sua riqueza. É complicado imaginar imaginar um gangster no topo da hierarquia, contando apenas com amigos verdadeiros. Todavia, os pontos fortes de Dennis Lehane continuam presentes no livro: a boa narrativa, diálogos sagazes e um bom nível de violência são elementos presentes em todo momento e tudo isso embasado pelo excelente trabalho de ambientação que o autor faz, com grandes acontecimentos históricos entremeados à trama: a Lei Seca, a guerra fria entre EUA e Cuba, a ascensão da Klu Klux Klan, complementam a obra e seguram as pontas bem o bastante para a narrativa não se tornar um desastre.
Enfim, Os Filhos da Noite já teve seus direitos comprados e deve ser mais um dos livros do autor à irem para as telonas, mas conta com muitos altos e baixos para se destacar entre as excelentes obras de Lehane. Leia sem o peso de comparação com outras grandes obras sobre a máfia e provavelmente o livro soará melhor.
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