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Pedro páramo e chão em chamas, as obras primas de juan rulfo

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 5 de out. de 2023
  • 4 min de leitura

Podemos encontrar na obra de Juan Rulfo, os germes do realismo fantástico latino americano. Após publicar os seus primeiro livros, o colombiano Gabriel García Márquez se deparou com um bloqueio criativo. O remédio para a falta de entusiasmo com a escrita, estava na literatura mexicana e foi em Pedro Páramo que Gabo encontrou a inspiração que lhe faltava. Logo depois, presentearia o mundo com Cem Anos de Solidão.


Em Pedro Páramo, acompanhamos a jornada de Juan Preciado, que promete a mãe em seu leito de morte, viajar até Comala para procurar o pai desaparecido. Porém na cidade natal do pai, não restam mais vivos e são os mortos que interagem com Juan e compõe a narrativa. O livro é uma fábula dramática sobre o passado violento daqueles defuntos, que viveram uma vida tão árdua e não conseguem descansar em paz. Na ausência de uma narrativa cronológica bem delimitada, vamos pulando de memória em memória, reconstruindo aos poucos a história de Comala e do infame pai de Juan Preciado.

É impossível não perceber em Cem Anos de Solidão, uma certa semelhança com Pedro Páramo, tal qual aquela criança que carrega nos olhos as feições dos pais. O realismo fantástico extrai sua narrativa da mistura, do sofrimento dos personagens, com uma visão supersticiosa da natureza e, dessa forma, recria a identidade do povo latino. Antes disso, Pedro Páramo se utilizou de elementos insólitos para contar uma fábula sobre as mazelas do México, compartilhadas por toda a América Latina.


Se o maravilhoso Pedro Páramo, narrado pelos defuntos de Comala, é a obra definitiva de Juan Rulfo, Chão em Chamas é seu alicerce realista. Os contos rurais de um, imersos em tragédia e injustiça, fornecem a dor, a miséria e os mortos que irão compor o mundo fantástico do outro. Chão em Chamas é um livro de contos que narra a relação íntima do homem com a terra. Mesmo profundamente interligados, o mundo urbano e o mundo rural compõem universos largamente distintos, ambos inclementes, mas a vida agrária é ainda mais árdua e selvagem, longe do ambiente “civilizado” das cidades. A obra de Ruan Julfo trata das angústias do povo que vive da terra, esquecido pelo estado, onde desastres naturais, miséria, violência e resiliência travam uma batalha pela existência.


Os dois únicos livros publicados em vida por Juan Rulfo, são obras independentes mas é difícil não encontrar ligação entre elas. Em Chão em Chamas viajamos por vários contos através de uma paisagem desértica, onde a luta pela sobrevivência é constante, a injustiça impera e a única norma existente é a lei do mais forte. As paisagens rurais torradas pelo Sol, entram e saem de cena expondo cenas de violência e tragédias humanas e a aridez presente na atmosfera resseca também, a alma dos habitantes. Se vagarmos tempo demais por esse país sem nome, devemos encontrar em algum momento, um vilarejo parecido com Comala, o cenário de Pedro Páramo. Comala é um vilarejo fantasma, onde o rancor eliminou todos os resquícios de vida que havia por ali. Comala é uma cidade varrida pelo calor e pelo tempo, apenas as ruínas do que foi outrora estão de pé e seus únicos habitantes são os mortos.


"Quando chegarmos a Comala, o senhor vai ver o que é calor forte. Aquilo fica em cima das brasas da terra, bem na boca do inferno. Digo eu que muitos dos que morrem por lá, quando chegam ao inferno voltam para buscar um cobertor."

Se existisse alguma ligação óbvia entre os estilos literários e fosse possível estabelecer conexões entre eles tal qual fazemos com os seres vivos na biologia, poderíamos dizer que Pedro Páramo é um parente direto do realismo fantástico latino americano enquanto Chão em Chamas comungaria bastante gótico sulista norte-americano. Mesmo compartilhando de elementos semelhantes, a obra de Ruan Rulfo é dotada de uma personalidade ímpar o que torna impossível rotulá-la. Com poucas páginas publicadas o autor foi capaz de criar uma atmosfera tão singular, que se tornou referência para outros estilos vindouros.


Característica marcante na literatura regionalista, o denominador comum em ambas as obras é a violência! A violência é uma forma de narrativa muito bem difundida na literatura, seja numa forma de entretenimento, comum nas obras de Stephen King por exemplo, ou refletindo sobre a natureza humana como nos épicos de Cormac McCarthy, e também como uma parcela constante do dia a dia de muitos povos espalhados pelo mundo, em especial na literatura latino-americana e regionalista, onde funciona como uma crítica ao sistema.


Poucos autores na história da literatura conseguiram ser tão influentes com uma obra tão curta: seus dois únicos livros, mal passam das 100 páginas, passíveis de serem lidos em uma única sentada, mas são até hoje amplamente estudados e influenciaram toda uma leva de escritores. Gabo, Llosa, Borges e Cortázar, hoje consagrados como os maiores nomes da literatura latino-americana, estão entre os vários admiradores confessos do autor mexicano.


A obra de Juan Rulfo, condensa um pouco da história violenta do próprio México, nascido e perpetuado em meio de revoluções e autoritarismo, seja por parte de seus conquistadores, "coronéis" ou do tráfico de drogas. São histórias onde cada personagem, vivo ou morto, tem a prosa sofrida de sua vida para contar, o seu próprio quinhão de tristeza, onde as memórias se agarram a terra como uma nódoa e não se deixam descansar em paz, pois há muito perderam as esperanças de encontrar refúgio além do cantinho que conhecem.




 
 
 

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