Pompeia: A vida de uma cidade romana
- Italo Aleixo
- 29 de ago. de 2023
- 3 min de leitura

Imagine-se passeando pelo setor de Zoologia de um museu hipotético, quando se depara com uma exposição sobre a Biota Ediacarana (600 Ma): animais em forma de tubos, folhas, com ranhuras esquisitas e corpos de formato estranho, normalmente dispostos no que deveria ser um cenário típico daquele ambiente, um pedacinho raso do oceano onde essas criaturas bizarras estariam organizadas de maneira similar à um recife de corais moderno, representando seus devidos nichos e até a cadeia alimentar que ocorreria ali, uma tentativa charmosa de reconstruir esse pedacinho da Terra ancestral. O grande problema é que não sabemos de fato se esses fósseis são animais (nós biólogos usamos o termo Metazoários), se eles realmente ocuparam e viveram no mesmo ambiente ou na mesma época (o lapso de tempo entre um fóssil e outro pode ser de milhares de anos), existem dúvidas até com relação a posição que eles se postavam enquanto vivos e como se não bastasse, não temos nem mesmo uma estimativa adequada da proporção real de espécies que foram preservadas no registro fóssil. Imagine ter que reconstruir a biota de um fragmento florestal (sem nunca tê-la visto) tendo em mãos apenas os ossos dos vertebrados maiores que se fossilizaram ali! Toda essa ausência de informação é muito difícil de ser acessada e precisa ser reconstruída por meios indiretos, anos de estudo e lento acumulo de conhecimento prévio.
A arqueologia e a história enfrentam problemas análogos ao tentar reconstruir cenários do passado, muitas vezes com base em pouquíssimos artefatos ou textos preservados ao longo do tempo. Quando a cidade de Pompéia foi destruída em 79 d.C. durante a erupção do vulcão Vesúvio, toda a cidade e seus habitantes foram repentinamente soterrados, fazendo de Pompéia, hoje, um dos sítios arqueológicos mais bem preservados e detalhados sobre a vida no Império Romano. A noção de que Pompéia represente fielmente o passado congelado no tempo, entretanto, desconsidera precisamente essas lacunas, nas quais a ausência de informação descarta várias possibilidades, e a simplificação de descobertas ou suposições equivocadas acaba gerando situações irreais e ampliando a desinformação.
Mary Beard, professora de estudos clássicos e especialista no Império Romano, nos guia nessa viagem por Pompeia, trazendo à tona aspectos históricos e cotidianos da cidade: quem eram os pompeianos, qual sua posição política no Império Romano, se eram ricos ou pobres, o que era produzido e consumido em Pompeia, como se desenrolava o dia a dia e os momentos de lazer na cidade. Nessa exploração, Mary Beard contraria as narrativas típicas ao desconstruir os clichês de Pompeia, ao debater as descobertas das pesquisas realizadas sobre a cidade, e expondo o que ainda não compreendemos acerca dela, discutindo como de fato interpretar essa lacuna de informações.
O mais interessante em Pompeia é a visão dinâmica que a obra nos proporciona sobre o mundo antigo. A ideia pré-concebida que temos de uma catástrofe apocalíptica, dá lugar à uma tragédia muito menos espontânea, onde as escavações mostram que seus habitantes já deixavam a cidade devido aos primeiros sinais da erupção. Portanto, Pompeia não é uma cidade congelada no tempo, já era uma cidade em fuga e largamente evacuada. Ademais, muito da destruição que vemos em Pompeia pode ser atribuída à um terremoto ocorrido décadas antes da erupção. É com esses pequenos detalhes que Mary Beard discute a vida em Pompeia e tenta montar um quebra cabeças onde muitas de suas peças se perderam: as pichações apologéticas ao sexo, faziam referências diretas à putas e bordéis (como lhes é creditado) ou seriam simplesmente troças obscenas como as que encontramos hoje em dia? Estatuetas religiosas seriam indício direto à religiões praticadas na cidade ou poderiam ser meros souvenires? Essa visão nos apresenta uma perspectiva menos rígida de Pompeia, onde o cotidiano do cidadão romano, com sua política, arte, comércio, bares e bordéis, não nos seriam estranhos nos dias atuais.
No fim das contas, Pompeia está mais para um registro documental das descobertas arqueológicas feitas na cidade do que de um típico livro de história. Através da interpretação dessas descobertas, vemos o quanto as lacunas no conhecimento podem ser reveladoras ou o quanto podem esconder. Habitualmente temos uma visão romantizada de povos antigos, que acaba criando uma falsa ilusão de separação ontológica entre "nós" e "eles", mas deixando de lado os avanços tecnológicos, essas discrepâncias quase sempre estão num mesmo patamar das diferenças entre dois países modernos. Pompeia ao passo que era uma típica cidade romana, era acima de tudo uma cidade típica, onde seus habitantes discutiam sobre política, se preocupavam com a economia, e onde um cidadão médio poderia encerrar um dia de trabalho envolvido em uma briga de bar!
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