Sobre herois e tumbas
- Italo Aleixo
- 27 de out. de 2023
- 2 min de leitura

O pouco, mas agradável, contato que tenho tido com a literatura argentina tem sido carregado de maravilha e estranheza. Por meio de nomes como Borges, Casares, Arlt, mergulhamos num mar de loucura, onde o insólito colide com a realidade triste e violenta, criando um tipo exótico de fantasia. A sensação ao terminar Sobre Heróis e Tumbas de Ernesto Sabato não foi diferente.
É uma obra multifacetada que traz pelo menos três livros dentro de si: é um livro sobre o amor impossível entre dois personagens, que embora jovens já estão desgastados pela vida. Especialmente Alejandra, que condensa a decadência de seus familiares, trapos do que sobrou do passado "glorioso" do país; é um livro sobre a loucura e sobretudo, sobre a loucura da história da Argentina. Não é difícil, se lembrar de outras obras ao longo da leitura: o amor não correspondido remete de longe Travessuras da Menina Má (Mario Vargas Llosa), a narrativa histórica lembra os bons de O Tempo e o Vento (Érico Veríssimo) e até alguns livros de mistério e ficção contemporâneos, como A Sombra do Vento (Carlos Ruiz Zafón), com seus personagens de passado obscuro se esgueirando pelas sombras da cidade, isso sem falar nos monólogos pessoais que perscrutam a loucura e degradação, herdados do niilismo de algumas obras russas. Essas menções não são um tipo de indicação, é possível que o futuro leitor não veja nada delas na obra, são só lembranças que me vieram a cabeça durante a leitura, pois se trata na verdade de um livro bastante singular.
É uma obra um tanto quanto hermética para com quem não conhece a história da argentina, muitos dos pensamentos, tanto quanto alguns personagens da obra, remetem diretamente ao passado do país e são reverberações de momentos fundamentais históricos. A jornada de Martín ao tentar cativar e compreender Alejandra, se assemelha à de um historiador um busca da identidade do país, destruído e reconstruído diversas vezes e os traumas e o passado de Alejandra são os reflexos dessa história escrita em sangue. O famoso Relatório Sobre os Cegos — amado por muitos, mas pra mim a parte mais destoante do livro — uma busca doentia por uma obsessão, de certa forma reflete o absurdo que é a tragédia humana, assim como é o típico elemento surreal da literatura argentina presente no livro.
A sensação que fica ao término da obra é de amargor, um “aroma” de não conclusão no ar que, embora indigesto, é marca registrada da literatura argentina. Ao longo do livro passamos por revoluções, batalhas sangrentas, ditaduras violentas e todos aqueles personagens que perecem sem alcançar seus objetivos, deixam sobre os leitores o peso de seus fracassos e de uma certa forma a literatura argentina capta bem essa sensação. Enquanto alguns outros clássicos nacionais conseguem passar para o leitor a tristeza de seu passado, a literatura argentina consegue vender sob forma do fantástico esse absurdo inconcluso.
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