Terra dos homens
- Italo Aleixo
- 29 de mai. de 2024
- 3 min de leitura

Já é a terceira vez que eu leio Terra dos Homens, em um período de tempo relativamente grande e em momentos diferentes da minha vida, e ele ainda continua sendo um de meus livros favoritos. Aqueles que conheceram o autor por meio de O Pequeno Príncipe, vão estranhar esta que é uma obra um pouco mais pessoal e introspectiva que o renomado clássico "infantil".
Piloto por profissão, Antoine de Saint-Exupéry é um exemplo notável de como é privilegiado aquele que faz o que ama. Em Terra dos Homens, o autor escreve uma espécie de micro biografia, composta de algumas de suas memórias enquanto aviador, porém antes de um diário de viagens, o livro é um tipo de ensaio sobre a natureza humana e o sentido da vida, composto de experiências e pensamentos, onde as palavras pintam o homem moldado pelo avião!
É fácil ressaltar em alguns livros quais fatores os tornam tão memoráveis, mas de maneira geral, isso é muito subjetivo. Qual o intuito de se ler um livro sobre um piloto de avião? A resposta para esse tipo de pergunta remonta a importância da literatura em si. A maior contribuição da literatura é o compartilhamento da visão de mundo de outras pessoas!
Eu sempre fui fascinado pela possibilidade de "viajar" pelas páginas dos livros e poder descobrir como outras pessoas viviam suas vidas, em outras regiões ou mesmo em outras épocas. Por um determinado momento, me pareceu que as redes sociais ajudariam nesse processo — afinal o que existe de mais pessoal do que assistir os stories em tempo real de outra pessoa — mas no fim das contas elas só contribuem para a difusão de ruído. Byung-Chul Han discute muito bem como a "informação pura" peca pela ausência de narrativa, em seu livro A Crise da Narração. Onde estaria então essa narrativa perdida? Nesse mesmo livro, o autor discute que o "narrar" dos fatos está associado com a experiência do orador e é exatamente esse o papel que a literatura desempenha: ressaltar fatos isolados da vida de outros e dar um sentido à essa informação, narrando-a a partir de suas experiências. A literatura é não apenas ver, mas "experimentar" até onde possível, o mundo do outro.
Mesmo em sua simplicidade, poucos livros são tão contemplativos, numa época em que os drones não existiam e as imagens de satélites ainda estavam engatinhando, Saint-Exupéry descreve o mundo sob um ponto de vista antes destinados aos deuses. A narrativa gráfica do autor, retrata a relação do homem com o ermo, enaltecendo o céu, o oceano, as montanhas e principalmente o deserto. Sob sua perspectiva, os campos de meteoros isolados no alto de mesetas, são onde as estrelas fazem sua jornada final e as grandes cidades são meros faróis para quem está voando.
Esse nível de contemplação que a princípio sugere um isolamento social, na realidade exalta o contrário. A vastidão dos cenários perante a pequenez do homem, cria um contraste profundo entre a solidão e a nossa humanidade, de tal forma que as relações humanas sejam vistas como verdadeiros oásis. Na obra de Saint-Exupéry, cada pequeno contato tem a capacidade de mudar para sempre a vida daqueles que o experimentaram, e é justamente no isolamento que o autor pondera sobre a importância da sociedade e das relações humanas.
O autor ainda tem tempo de encerrar sua obra num capítulo bastante filosófico onde reflete sobre o sentido da vida. Para Saint-Exupéry o que molda o homem é o terreno no qual ele está inserido somado à uma necessidade de buscar impulsos naturais, de forma que cada indivíduo seria igual, se diferindo um do outro apenas nas circunstâncias que os colocaram ali. É na busca por esse impulso, que os homens encontram seus destinos e razão de viver.
Se a pureza de O Pequeno Príncipe pode ser exemplificada no menino que sempre irá se lembrar da roseira pela qual foi cativado, em Terra dos Homens a figura simbólica é a do deserto que se permite ser contemplado mas é grandioso demais para notar a presença de um reles alguém!
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