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Whiplash, Uma Fábula Gótica

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 28 de out. de 2024
  • 4 min de leitura
Whiplash movie

Me lembro que um dos motivos que me impediram de assistir Whiplash: Em Busca da Perfeição nos cinemas, foi por pensar se tratar de um "filme de superação". O excesso de melodrama e o "gostinho" de auto-ajuda, típico dessas histórias sempre me reviraram os olhos. O longa foi lançado em 2014 e figura facilmente como um dos melhores da década, depois de alguns anos eu assisti e é um dos meus filmes favoritos. Contudo, ainda hoje, muitos não o assistiram e outros o apreciam justamente por aquilo que ele não é: um filme de superação.


As salas de cinema estão repletas dessas obras dramáticas, onde os protagonistas passam por dificuldades, são desacreditados e empreendem uma jornada redentora para dar a volta por cima e surpreender a todos. Em comum, elas tem uma atmosfera positiva, aquela mensagem inspiradora sobre nunca desistir dos seus sonhos, superar as adversidades e seguir em frente. Poderia ficar horas aqui, fazendo lista de obras imortalizadas por esse tipo de narrativa — algumas muito boas e outras chataaaaas — como Rocky, Homens de Honra, 127 Horas, Os Intocáveis e mais umas trocentas biografias mundo afora.


Se Wiplash for analisado apenas pelo seu plot é justamente isso que ele entrega: na trama, o estudante de bateria Andrew Neiman (Miles Teller), anseia em se tornar um grande músico. Ele é então recrutado pelo impiedoso e abusivo professor, Terence Fletcher (J. K. Simmons), que desmerece e força seus alunos até o ponto de ruptura, sempre em busca do artista ideal, a nova lenda do Jazz e vive amargurado por não conseguir revelá-lo. O simpático Andrew, por sua vez, não se dá por vencido e está disposto a assumir todas as consequências para provar para o professor que ele é sim capaz de ser tornar esse músico virtuoso.


Não é nenhum spoiler dizer que depois de todas as adversidades, Andrew consegue finalmente provar sua qualidade, arrancando um sorriso de seu instrutor numa das cenas mais climáticas do cinema. Um final feliz para Fletcher que conseguiu seu objetivo de encontrar o músico perfeito e para Andrew que alcançou seu sonho de ser o melhor naquilo que se propunha, uma típica história de superação, com drama, um final feliz e uma mensagem de superação. Mas o que acontece após o fechar das cortinas? Eu não chamaria Wiplash de um filme de superação, não não, para mim ele está mais para um tipo de fábula gótica!


O uso do gótico pode ser uma mera literatice minha, mas vale ressaltar que é um termo multifacetado com inúmeras influências e significados. Na literatura ele surge como uma deturpação do romantismo, fugindo da idealização para explorar o lado irracional da experiência humana. Entre os vários elementos presentes no gótico, estão personagens deturpados e a extrapolação de medos e desejos. Normalmente o termo é associado esteticamente com cenários lúgubres, escuros — uma ironia porque a arquitetura gótica tem entre seus objetivos aumentar a claridade das igrejas — mas nem sempre está associada à isso, o gótico sulista por exemplo na literatura, não abraça a estética clássica do gótico, mas utiliza de elementos macabros, psicologicamente profundos e da violência e da tragédia para contar suas histórias.


O quê de fábula se dá pois o filme está mais para uma lenda contemporânea do que para uma história motivacional. O roteiro impecável cadencia a tensão da narrativa culminando no coro explosivo, como o compasso de uma música. Mas para ver o gótico em Wiplash, precisamos voltar para o fechar das cortinas, qual será o futuro daqueles personagens? Uma carreira promissora para Andrew, um alívio na alma de Fletcher, os dois se reencontrando na mesa de um bar anos depois para lembrar daqueles momentos? Apesar de meras especulações, o filme deixa poucas dúvidas de que não existe ali nenhum futuro promissor, ambos são personagens condenados.


Fletcher é um personagem amargurado perdido em sua própria nostalgia, atormentado pelo fracasso ele persegue um objetivo no qual nem ele crê. Seu grande prazer é descontar seu rancor nos outros, conseguindo profanar a natureza amistosa de Andrew, que abre mão de tudo que lhe era caro — relacionamento e inclusive arriscando a própria vida — só para ganhar a atenção do instrutor. Ambos decaem numa espiral de autodestruição durante todo o filme, assinaram o pacto fáustico, a catarse final é a consumação desse pacto e após esse desfecho só resta pagá-lo. Aqueles dois se destroem, a obra não é sobre um pupilo ganhando a admiração de seu mestre e sim de duas feras se digladiando, consumidas pelo próprio ego, reféns do próprio psicológico destrutivo. Se estendermos o filme para além do "felizes para sempre", o que sobra é a tragédia.


As histórias não são compostas apenas por narrativas de sucesso, ética ou moralidade. Embora seja bonito — e lucrativo — enaltecer esse lado bonito da experiência humana, a maioria das histórias são muito menos glamorosas, experienciadas por personagens que vivem à margem de seus desejos e à beira do colapso, onde serão alcançados pela tragédia mais cedo ou mais tarde. De toda forma talvez eu tenha exagerado no gótico em Wiplash, afinal o trágico não emerge de fato, a caos não irrompe tomando conta da narrativa, embora ele esteja lá, adormecido, aguardando nas entrelinhas!

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