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Dois Sherpas

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 10 de jan. de 2024
  • 2 min de leitura

Logo nos primeiros capítulos de Omeros, a rivalidade entre dois dos personagens principais, Aquiles e Heitor, fica escancarada quando ambos os pescadores enfrentam-se com facões em punho. É no lastro desse duelo e do amor que ambos compartilham pela mesma mulher, que Derek Walcott constrói a identidade da ilha de Santa Lúcia, através de um dos poemas mais memoráveis do século XX.


Dois Sherpas também inicia com a tensão entre dois personagens, o sherpa velho e o sherpa jovem que observam o corpo caído de um turista que despencou no desfiladeiro. Durante aquele breve momento em que ambos estão parados decidindo como proceder, as idas e vindas do passado e seus anseios futuros, vão construindo a história dos personagens e do Everest. É apenas nessa ideia básica que essas duas obras tão destoantes se compararam.


É em torno daqueles dois sherpas sozinhos à beira do desfiladeiro, que a narrativa inteira se ancora, hora focando na infância e nas aspirações do jovem, hora focando no passado e nos motivos que levaram o velho ao Nepal. Intercalados aos solilóquios dos personagens, estão fatos e eventos relacionados ao monte Everest, retalhos que ilustram o pouco mais de um século de explorações da montanha mais famosa do mundo.


Enquanto Walcott alcança o extraordinário feito de esculpir uma identidade nacional utilizando o cotidiano de seus personagens, Sebastián Martínez Daniell não consegue fincar raiz nenhuma nas geleiras e rochas do Everest. É difícil entender o propósito de de Dois Sherpas, uma vez que o livro se resume à uma miscelânea de fatos desconexos e passagens desinteressantes pela vida dos personagens — passagens que se prolongam de maneira irritante. Se o autor tinha a pretensão de trazer um pouco do Nepal até nós, esse feito é frustrado, pois em momento algum a obra consegue evocar a magnitude do Himalaia ou o isolamento de Namche — vilarejo da rota clássica para o Everest — , essas sensações subjetivas tão essenciais na literatura, são ofuscadas pelos personagens insonsos.


Pode ser uma maldade e talvez nem caiba a comparação inicial com um clássico que "rendeu" o Nobel para seu autor, mas é difícil não ver em Dois Sherpas um pouco da ousadia presente em Omeros. Ambos tentam de alguma forma contar a história de uma região a partir do cotidiano dos cidadãos e compõe esse enredo com narrativas subjetivas e idas e vindas entre passado e futuro. É charmosa a execução de Daniell mas lhe falta o que sobrou em Walcott: identidade!


A tentativa do escritor argentino de divagar sobre o Nepal, cai na armadilha de repetir incessantemente a ladainha do conflito entre turistas e sherpas e resulta em personagens insípidos, demasiadamente ocidentais — eu me pergunto realmente até que ponto a cultura dos sherpas está ocidentalizada e quais seriam de fato os dilemas de quem ganha a vida subindo a montanha — em personalidades históricas nada vividas, alguns trechos de Shakespeare e numa montanha desfocada como plano de fundo!

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