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Guerra Civil: Uma Homenagem ao Fotojornalismo, Antes de uma Crítica social

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 8 de mai. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 7 de jan.

Cena do filme Guerra Civil de Alex Garland

Apesar de como muito alardeado por aí, Guerra Civil (2023) está longe de ser uma crítica social. Em tempos de escalada da polarização política, todos os lados recorrem as artes em busca de propagandear suas ideologias, mesmo que elas não estejam implícitas — o brasileiro Bacurau passou pelo mesmo fenômeno — o longa dirigido por Alex Garland (28 Days Later e Ex Machina), aborda o tema apenas superficialmente, apostando num roteiro contido e no espetáculo visual. Antes de qualquer coisa, Guerra Civil é um ode ao fotojornalismo, mas um ode um tanto quanto estéril!


Me admira no fotojornalismo, a estética e a narrativa jornalística. Eu adoro ler, mas acho mágico como uma simples imagem pode valer mais que blá blá blá... conflitos, catástrofes e grandes acontecimentos históricos podem ser imortalizados pela lente dos fotógrafos. Como não se sentir tocado diante dos cliques de Sebastião Salgado do garimpo em Serra Pelada, ou da foto do rapaz enfrentando sozinho os tanques de guerra durante uma manifestação na China? Nos causam horror e angústia, a cena daquela menina fugindo do ataque de napalm durante a Guerra do Vietnã ou o garoto com fome, prostrado diante de um urubu no Sudão — foto que rendeu à Kevin Carter, um Pulitzer, polêmicas e motivos para o suicídio. A fotografia é plena em seus aspectos visuais, mas também evoca uma narrativa subjacente, em especial a fotografia documental que não faz sentido sem um contexto.


Em Guerra Civil, os Estados "Unidos" da América foram divididos após uma extrema polarização política, por um golpe de estado que lançou o país numa guerra interna. Na trama, quatro repórteres precisam atravessar o território em conflito e chegar até Washington, onde pretendem conseguir uma entrevista com o presidente. Retratando os perigos reais aos quais a imprensa se submete ao cobrir conflitos, a A24 recheia seu novo longa com o requinte gráfico que lhe é característica e as cenas torpes: crimes guerra, a violação dos direitos humanos, as execuções sumárias e as batalhas entre as milícias, são narradas pelas lentes das fotografas, Lee Smith (Kirsten Dunst) e Jessie (Cailee Spaeny).


O dilema que fulminou Kevin Carter, é recorrente na carreira dos jornalistas: a história precisa ser documentada fidedignamente, mas até que ponto é válido sacrificar o contexto para fugir do viés ideológico? E a qual preço? Guerra Civil traz um pouco desse dilema, ao mostrar a logística complexa da cobertura de uma guerra e ressaltar os debates éticos que os jornalistas precisam considerar na hora de realizar o seu trabalho, afinal o que está em jogo é sua carreira e sanidade mental. Esse distanciamento dos fotógrafos para com a realidade, traz uma excelente dinâmica ao filme, quando as cenas violentas são congeladas pelos takes em preto e branco das fotografias tiradas.


Porém se essa decisão é um acerto quanto ao aspecto visual, ela é falha quando não permite o desenvolvimento dos personagens e falta ao filme o que não pode faltar numa fotografia: contexto. Sem adentrar no desenvolvimento do conflito, a audiência não tem quem a guie e fica tão perdida quanto os personagens, que mais parecem vaguear à deriva tirando fotos aleatórias. Aqui cai por terra a ideia de que Guerra Civil é uma crítica social, é até fácil de identificar cutucadas claras ao Partido Republicano e à tentativa frustrada de golpe de Donald Trump, mas é evidente que o filme não quis se indispor com o vespeiro político — vale lembrar que esse ano tem eleições presidenciais por lá. As batalhas acontecem indeterminadamente, não se sabe quem luta contra quem e nem mesmo a posição dos jornalistas dentro dessa guerra é clara, e com toda essa ausência de contexto, os agentes do filme podem ser qualquer um, uma grande guerra de todos contra todos.


Narrativas minimalistas funcionam muito bem quando existe alguma história pra contar — o próprio Alex Garland faz de Ex Machina uma obra prima, com uma narrativa minimalista e apenas três personagens — mas aqui, o resultado são personagens unidimensionais. Nem o único grande trunfo narrativo do filme, a relação entre Lee Smith (Kirsten Dunst) e Jessie (Cailee Spaeny) — onde fica meio evidente de que ambas são a mesma pessoa em momentos distintos da vida — consegue salvar os personagens. A opção de fazer do filme um filme "apartidário" acertou na escolha de seus agentes, os fotógrafos, mas falhou em criar conexão com o espectador, tal qual uma fotografia descontextualizada. Em A Crise da Narração, Byung-Chul Han, reclama que nos tempos modernos abrimos mão da narrativa em prol da informação e é isso que temos aqui, a informação pura e simples por cima de qualquer narrativa.


Guerra Civil não é um filme de todo perdido, longe disso, como já disse o aspecto visual tem uma dinâmica interessante, mas é possível contar uma boa história mesmo mantendo uma "distância segura", desde que não abra mão da perspectiva. Para citar apenas um, vale a pena mencionar o excelente Incêndios (2010) de Dennis Villeneuve. Os estilos são diferentes, mas a comparação é válida uma vez que ambos os filmes registram a guerra pelos olhos de observadores externos.



Cena do filme Incêndios de Denis Villeneuve


Na trama de Incêndios, Nawal Marwan (Lubna Azabal) em seu leito de morte, deixa para seus filhos um testamento com exigências estranhas, entre elas: entregar duas cartas, uma para um irmão desconhecido e outra para o pai que pensavam estar morto. Os irmãos Simon (Maxi Gaudette) e Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin), começam então a investigar e a desvendar o assombroso passado de sua mãe. Através de memórias, fotografias e relatos de antigos conhecidos, vamos conhecendo todo o drama que Nawal vivenciou em sua juventude, durante um conflito no Oriente Médio.


Os dois filmes contam com elementos muito semelhantes: em Incêndios a história é contada de um ponto de vista investigativo, onde elementos do jornalismo tem um papel importante, o filme é ambientado durante uma guerra civil, a direção de Dennis Villeneuve também dá muito valor ao aspecto visual, chocando o espectador com as imagens do conflito e o mais importante, os personagens também não participam ativamente da guerra — que ocorreu durante a juventude de sua mãe — mas a "experimentam" como agentes credenciados a deslocar livremente pela região.


Mas Incêndios acerta num ponto crucial, que é o desenvolvimento de um contexto. Não se trata da guerra, que existe como pano de fundo — nesse ponto ambos os filmes adotam a mesma postura — mas na relação pessoal dos personagens principais com o passado de sua mãe, o filme abraça esse drama específico e fala sobre os impactos das memórias no presente. Sai de cena as fotografias congeladas de Guerra Civil, que como diria Byung-Chul Han, são informação pura, sem experiência e que só existem naquele breve momento da atualidade, e entra em cena as fotos dos olhos de Nawal Marwan, que trazem consigo o peso de seu passado.

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