Murambi, O livro das ossadas
- Italo Aleixo
- 10 de out. de 2023
- 2 min de leitura

Em 1994, durante a Guerra Civil de Ruanda, cerca de 1 milhão de Ruandenses foram exterminados num período de poucos meses. O massacre dos Tutsis foi perpetrado pelo grupo étnico Hutu, onde homens, mulheres e crianças foram mortos a tiros e golpes de facão, enquanto buscavam refúgio em igrejas e nas escolas. Um dos mais atrozes genocídios da história, executado pelo exército, guerrilhas e por vizinhos e companheiros das vítimas. Por fim, o último (grande) genocídio do século XX aconteceu em silêncio, ignorado na época pelas grandes potências mundiais e pelos próprios africanos, que consideraram esse só mais um dos muitos absurdos que acontecem na África.
O escritor senegalês, Boubacar Boris Dioup, fez parte de uma comissão de escritores de língua francesa que participaram de um projeto para reviver a história do massacre anos depois, Murambi: O Livro das Ossadas é fruto desse projeto. Aqui acompanhamos o retorno de Cornelius Uvimana a Ruanda, após anos de ausência de sua terra natal e do assassinato de seus familiares. Cornelius é o fio central de uma trama que intercala o passado e o presente, onde personagens que participaram do genocídio e os sobreviventes, compõem um mosaico que tenta dar algum significado ao absurdo que se abateu sobre o país.
Murambi não é um romance sentimental, ele foca mais em tentar evidenciar as engrenagens que levaram até o evento fatídico e retratar um pouco da atmosfera de Ruanda. O grande mérito da obra não são personagens profundos ou memoráveis, não temos em mãos um livro tocante como Por Quem os Sinos Dobram e nem a violência gráfica de um Cormac McCarthy, mas um livro cirúrgico em seu objetivo: ressaltar o clima geral de resignação e terror que se abateu sobre o país e dar voz aos mortos na chacina. Personagens “engessados” e meio letárgicos demais - talvez por uma limitação do autor - ironicamente funcionam muito bem como simulacros de uma humanidade que se perdeu com a guerra e a narrativa tem como ponto mais poderoso, a visita aos memorais com os ossos das vítimas, quando o livro assume um clima de tristeza e a atmosfera digna de um túmulo.
Vale ressaltar que, outro ponto alto do livro é o posfácio do autor - presente na edição da editora Carambaia. Tão importante quanto a própria obra, aqui Dioup esclarece a situação em que o país se encontrava durante o projeto e discute sobre a postura dos agentes no acontecimento. Debate, por exemplo, sobre o papel da França que viabilizou o massacre e depois tentou de maneira descarada defender uma falsa inocência e reflete sobre a resistência dos próprios africanos em aceitar o ocorrido, evidente na falta de ação dos intelectuais africanos.
Murambi tem uma narrativa gélida, seguindo os passos monótonos do narrador que aos poucos vai relembrando do passado e encaixando a história dos sobreviventes na sua, mas é fria antes de mais nada, por ser uma história dos mortos, não só daqueles massacrados, mas também pelos mortos que sobreviveram e nunca se ergueram diante do peso que o destino colocou em suas costas.
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