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Os Detetives Selvagens

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 27 de mar.
  • 4 min de leitura

O boom latino americano lançou holofotes sobre toda uma geração de escritores. Seu sucesso editorial mostrou ao mundo que mesmo a miserável e violenta América Latina era capaz de produzir literatura de alta qualidade. Se no rastro do realismo fantástico de Gabo, a tristeza latente era afogada numa atmosfera onírica e lampejos de esperança, por outro lado, o realismo sóbrio de Llosa escancarava as chagas do continente e discorria sobre seus filhos pródigos. Na esteira das grandes revoluções culturais do Século XX, a literatura latino americana se popularizou e virou um sucesso comercial, consagrando aquela geração de escritores, porém, as transformações prometidas para as décadas seguintes, não se concretizaram, deixando no limbo a geração vindoura.


Lançado no final da década de 90, muitos anos depois do boom, Os Detetives Selvagens de Roberto Bolaño, fala justamente sobre essa glória perdida. É a história de um escritor, sobre sua geração de escritores e como falharam as expectativas que recaíam sobre eles. O enredo, com ares auto biográficos, conta a história de Arturo Belano (alter ego de Roberto Bolaño) e Ulisses Lima (baseado em Mario Santiago Papasquiaro), poetas fundadores do movimento literário Realismo Visceral, e de suas andanças pelo México e Europa na busca de Cesárea Tinajero, tida como a primeira real-visceralista e desaparecida há anos.


Antes de mais nada, compete falar da estrutura da obra: Os Detetives Selvagens é composto basicamente por duas narrativas: uma aventura narrada no diário de Juan García Madero. Um jovem poeta que acaba de entrar para o grupo dos real-visceralistas e que está no auge de sua vida, fazendo amigos, conhecendo o sexo e vivendo suas primeiras aventuras; e uma segunda parte, mais extensa e o verdadeiro corpo do livro, composta pelo depoimento de dezenas de personagens, que em algum momento tiveram contato com Belano ou Lima. Os depoimentos são tanto de amigos dos poetas, como de desconhecidos que cruzaram seus caminhos e se estendem por décadas, mostrando as andanças dos dois poetas, perdidos pelo México e Europa.


O livro é um ensaio sobre uma geração perdida. Os depoimentos compreendem a vida de Roberto Bolaños, suas experiências, a perda da inocência e os sonhos despedaçados. Todos aqueles jovens poetas que vemos no início da obra, sucumbem de alguma forma, publicando muito pouco ou nada de fato, enquanto Belano e Lima vagueiam pela Espanha, Oriente Médio, África, duelando, vivendo como mendigos, participando de guerras civis, mas sempre à deriva. É evidente durante toda obra, um clima de autoabandono de personagens que percorrem o mundo sem nunca fincar raízes ou construir nada de fato, personagens que foram sufocados pelas próprias expectativas.


Por se tratar de uma obra autobiográfica é impossível não traçar paralelos dessa geração perdida com a do o boom Latino Americano. O realismo visceral é baseado num movimento que de fato existiu — o infrarealismo, que teve Bolaño como um de seus fundadores — e que tinha entre seus pilares fazer oposição ao establishment da literatura latina. No livro, no entanto, tal movimento é vazio de significado e reflete a falta de sentido real de tantos outros movimentos de vanguarda — vários dos quais o próprio Bolaño participou — que surgem de tempos em tempos, multiplicando e se auto consumindo o tempo todo. Outro fator que pesou foram as mudanças esperadas com o advento da revolução sexual dos anos 60, o movimento da cultura hippie, as revoluções socialistas do século XX, etc., e que nunca se concretizaram. Essa busca por um ideal que já não existe, é refletida na jornada dos dois poetas, que perambulam pelo mundo sem nenhum objetivo claro. A procura pelo pote de ouro no fim do arco íris, se manifesta na busca pela poeta Cesárea Tinajero, tida quase como uma santa pelos poetas mas que nunca publicou coisa alguma e nem sequer chegou a participar do circuito literário.


Roberto Bolaño conseguiu o sucesso — mesmo que tardiamente — sendo considerado hoje, um dos maiores autores latino americanos. Sucesso esse que não foi alcançado por outros escritores de sua geração. Diversos poetas que aparecem no livro — a maioria baseada em companheiros reais de Bolaño — não estouraram a bolha e alguns sequer publicaram. Os Detetives Selvagens é um desabafo sobre uma geração que cresceu encantada com as promessas que o século XX trazia, mas que não vingou. A obra, porém, não se limita apenas a artistas ou à boemia, mas é uma biografia de toda uma geração que se viu abandonada com os rumos da história, é uma biografia de todo mundo. As andanças de Belano e Lima são as andanças de todos aqueles que não se encontram nesse mundo, que não concluem nenhum grande objetivo, não estabelecem uma família, etc. é uma história sobre a maioria das pessoas.


Uma das principais críticas que o filósofo Jhon Gray dirige ao progressismo é considerá-lo uma ideologia que nega a tragédia, assim ela deixa de ser algo inexorável e se torna algo que deve ser evitado, um tipo de fracasso. Esse é o grande drama do mundo ocidental, somos diariamente obrigados a buscar um sucesso ideal e evitar qualquer tipo de derrota — quando na verdade a tragédia é parte fundamental da vida — e por conta disso vivemos sufocados pelas expectativas. Bolaño chegou ao topo, mas não viveu para presenciar isso — sua obra principal é uma obra póstuma — durante o resto do tempo, viveu a mesma busca infrutífera que empreendemos todos os dias.


Nada define melhor o livro do que as palavras do próprio autor que o considera uma "carta de amor para minha geração". Se todos aqueles depoimentos mostram ao leitor uma geração perdida vivendo nos escombros do século XX, a esperança se materializa no jovem Madero, seu diário narra a grande aventura de um promissor poeta que ainda tem toda a vida pela frente!

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