Sociedade do Cansaço
- Italo Aleixo
- 7 de fev. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de mai. de 2024

Ao contrário do que algumas sinopses sugerem a primeira vista, o livro de Byung-Chul Han não é apenas uma crítica barata aos discursos motivacionais, ao capitalismo ou a sociedade moderna, se trata de um debate filosófico sobre as mudanças ocorridas entre a sociedade moderna (Séc. XX) e a pós moderna (Séc. XXI). Um livro "denso" onde Byung-Chul Han expõe suas ideias por meio do debate com o pensamento de outros filósofos.
A Sociedade do Cansaço é um ensaio curto e bem direto, porém, exige o conhecimento prévio dos filósofos discutidos e por esse motivo, demanda tempo do leitor leigo, que precisa pesquisar e conhecer os conceitos ali envolvidos. O ensaio se baseia no seguinte ponto de vista: a sociedade moderna era uma sociedade disciplinar, onde cada indivíduo, a depender de qual esfera ocupasse — escola, carreira militar, trabalho, família — estava a mercê de normas rígidas e proibições e o desenvolvimento do indivíduo se baseava na maneira como ele lidava com o não, a narrativa pós moderna por outro lado, teria mudado isso, as proibições "saíram de moda" e agora nada mais é proibido.
"Faça o que tu queres pois é tudo da Lei - Aleister Crowley"
Em contraste com as narrativas negativas do passado que impunham vetos, as narrativas positivas modernas amparam tudo e a todos, de forma que a sociedade disciplinar teria deixado de existir. Numa sociedade onde tudo é permitido, a pressão não viria mais do sistema que envolve o cidadão e sim do próprio indivíduo, pois num mundo onde tudo é possível, estamos sempre nos cobrando por dar o nosso melhor... sem estabelecer um limite para isso!
Essa mudança de narrativa que joga a responsabilidade da cobrança para o próprio indivíduo — uma vez que o sistema não age mais como regulador — levaria à uma sobrecarga da psique, que Byung-Chul Han considera a responsável pela depressão, pelo burnout e por outros problemas psicológicos modernos. O filósofo compara a narrativa da sociedade disciplinar, com o sistema imune: tudo o que é exterior seria negativo, não veja aqui negatividade como algo essencialmente ruim, mas como algo diferente, estranho, que o sistema imune reage evitando. As narrativas do século passado seriam baseadas em afastar e atacar o estranho (exterior) em prol da preservação do próprio (interior). A noção de estranho porém, solapada pelo excesso de aceitação e positividade, desapareceria na sociedade moderna comprometendo o funcionamento desse sistema imune, que na ausência de um antígeno específico começaria a voltar contra o próprio. Por isso os problemas psicológicos modernos, não tem um vetor ou causa aparente, mas seriam causados pelo próprio indivíduo.
“A sociedade disciplinar ainda está dominada pelo não. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados.”
Enfim, o meu campo de atuação não é a filosofia da qual eu sou um mero apreciador, é por isso é difícil tecer qualquer comentário sucinto sobre o livro, mas alguns pontos me chamam a atenção. Vou deixar de lado os conceitos demasiadamente abstratos, como o próprio uso do sistema imune para explicar a sociedade e outros conceitos oriundos da psicanálise, pois são complexos de discutir e difícil de serem comprovados, mas uma coisa interessante é como a sociedade mudou tão rápido nessa última década desde que o livro foi publicado. O filósofo defende que na sociedade disciplinar os debates eram entre as classes, formadas pela ideologia do próprio e estranho, enquanto no mundo moderno os conflitos seriam entre os indivíduos, cada qual com sua própria narrativa — o niilismo já preconizava que o surgimento de diversas narrativas e a discussão de qualquer coisa, destruiria o sentido da realidade, uma vez que tudo é discutido e por isso tudo é verdadeiro. Porém nos últimos anos muita coisa mudou e as narrativas maniqueístas do século passado voltaram a se repetir: a sociedade se dividindo em classes, discursos políticos cada vez mais empenhados em formalizar o estranho e até uma nova guerra fria está em andamento!
Apesar do livro começar a soar ultrapassado num mundo que muda tão rápido, outro ponto, abordado brevemente, está cada vez mais atual: o surto de hiperinformação! Byung-Chul Han, baseado em outros filósofos, separa os homens dos animais, através da capacidade de “contemplação”: enquanto só nós teríamos a capacidade de abstrair, os animais estariam num estado sempre alerta em relação ao ambiente e seria essa capacidade de contemplar a responsável pela nossa criatividade artística, filosófica e desenvolvimento como espécie. Todavia, devido a hiperinformação a qual somos bombardeados constantemente, estaríamos muito mais estimulados e nos tornando cada vez mais alertas, entrando num estado permanente de vigília. As doenças psicológicas atuais, seriam um sintoma dessa mudança de estado ontológico. Do ponto de vista biológico, a afirmação que apenas o Homo sapiens seria capaz de abstrair tem cada vez menos validade. Embora seja impossível entender como os animais pensam, uma noção subjetiva do mundo deve estar presente na maioria dos metazoários e esse estado de alerta é uma condição para qualquer ser vivo, estados mentais desconectados como o autor propõe, se situam mais no campo da metafísica e religião. No entanto, é cada vez mais evidente que nossa sociedade está cada vez mais estimulada pela hiperinformação e esse excesso pode ativar o mesmo mecanismo sugerido por Byung-Chul Han.
Essa crise de múltiplas narrativas e perda do sentido já era prevista por Nietzsche e Byung-Chul Han parece concordar que enfim chegamos à esse tempo. Nossa sociedade se tornou hipersensibilizada em informação e as narrativas voltadas para o eu, tornou todo o mundo mais egocêntrico e narcisista. Acompanhamos nos tempos modernos o derretimento e a interiorização das narrativas, tão essenciais para o desenvolvimento da sociedade, onde cada vez mais o indivíduo se isola dentro de si mesmo na tentativa de lidar com um mundo cada vez mais caótico.
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