top of page

Ópera Dos Mortos

  • Foto do escritor: Italo Aleixo
    Italo Aleixo
  • 12 de fev.
  • 3 min de leitura

O fluxo de consciência, técnica tão empregada na literatura do Século XX, permite a construção de uma grande variedade de histórias. No icônico , Mrs Dalloway, de Virgínia Wolf, duas estruturas diferentes se intercalam: o mundo físico onde os acontecimentos se situam é sobreposto por um mundo psicológico, onde os personagens extrapolam suas cascas físicas e se espalham no espaço. Já em Coração Tão Branco, Javier Marias tece uma história onde os subjetivos dos personagens afetam diretamente uns aos outros, e o dito e o não dito reverberam como ondas pelos inconscientes, interlaçando as personagens que modificam uns aos outros. Autran Dourado por sua vez faz algo bem diferente em Ópera dos Mortos, isolando os personagens dentro de si de maneira que quase pareçam alheios ao mundo ao redor, quase!


Ópera dos Mortos conta a história de Rosalina, neta de um poderoso e temido proprietário de terras, trancafiada dentro do sobrado da família e com seu futuro lhe negado. De Quiquina, a empregada da família, que cuidou de Rosalina por toda a vida, e cuja mudez sugere uma falsa inocência. E de Juca Passarinho, um caçador andarilho que também tem lá os seus traumas e vive sem fincar raízes, sempre buscando a estrada. É passeando pela consciência desses personagens que vemos a vida desenrolar na pacata cidadezinha, que se transforma num ritmo diferente ao daquele do sobrado da família Honório Cota, "amaldiçoado" pelo orgulho da família.


Se Javier Marias mostra como os subconscientes tocam uns aos outros, causando alterações irreparáveis, Autran Dourado mostra como essas consciências também podem se isolar, encerradas em si e são tocadas pela experiência de maneira completamente distinta. Se para um personagem, as situações da vida são uma maldição, para outro são o combustível de uma vontade crescente de explorar o mundo. Dessa miríade de sentimentos se ressaltam objetos, aparentemente alheios ao universo interior das personagens, mas símbolos poderosos da psique: são os relógios parados e o sobrado abandonado que refletem o mundo engessado de Rosalina, lutando contra a passagem do tempo. As voçorocas que fascinam e aterrorizam Juca Passarinho, transformando o mundo de forma repentina e fazendo ruir a estrada sob seus pés. Situada num meio termo, Quinina se concentra nas flores de tecido e nos negócios que faz com o povo da região, apostando na regularidade, perseguindo uma constância que não ameace o status quo.


Se existe um grande tema no livro é a solidão. Enquanto a vida na cidade segue seu ritmo constante, os três personagens principais movem suas vidas como peças num tabuleiro, impulsionados por esse sentimento e sempre em busca, cada um à seu próprio modo, de companhia. É dessa maneira bastante intimista que Autran Dourado consegue retratar a vida no interior, engessada pelas hierarquias sociais e mostrar como classes tão divergentes lidam com responsabilidades e os desejos.


É difícil posicionar Ópera dos Mortos dentro do excelente rol de obras regionalistas da literatura nacional. Na prática ele não se sobressai tanto quando comparado à outros nomes consagrados e em alguns momentos a narrativa se torna meio enfadonha, mas ainda sim sua obra tem um certo charme e ganha bastante em originalidade por apostar nessa construção bastante intimista. Aqui somem os segredos de família — afinal está tudo lá, escancarado desde o princípio — e até mesmo as discussões sociais tão comuns dentro do gênero, porém a obra ganha ares mais humanos ao se encerrar em seus personagens!

Comentários


© 2023 por Meras Literatices. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Branca Ícone Instagram
bottom of page